As propinas de Aécio Neves: R$ 323 milhões são revelados em inquéritos


Leia a transcrição da reportagem de Carone (Marco Aurélio Carone – editor do Novojornal), para o Site VioMundo do UOL, exclusivo:


Inquéritos mostram que Aécio Neves recebeu R$ 323 milhões em propina

Em um regime democrático, ministros, desembargadores, juízes e militares são de instituições e poderes distintos.

Assim, o Judiciário não tem qualquer subordinação às Forças Armadas.

Porém, nos últimos tempos, o Supremo Tribunal Federal (STF), instituição maior do Judiciário brasileiro, vem sofrendo fortes pressões de militares.

De público, as mais conhecidas são as do general Eduardo Villas Bôas, que até 11 de janeiro de 2019 comandou Exército brasileiro e, atualmente, é assessor especial do gabinete de Segurança Institucional (GSI), do governo Bolsonaro.

Com frequência, Villas Bôas usa as redes sociais, em especial o twitter, para comunicar as suas posições.

Em 3 de abril de 2018, véspera do julgamento do habeas corpus que poderia evitar a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Villas Bôas postou dois tuítes em pleno horário do Jornal Nacional que foram interpretados como ameaça ao Supremo Tribunal Federal (STF), que julgaria o caso.

“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?

“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.

No dia seguinte, o STF negou o HC a Lula, por 6 votos a 5, com o emblemático voto da ministra Rosa Weber, que, pela “colegialidade”, votou contra seu próprio entendimento da matéria.

Em 9 de setembro de 2018, Villas Bôas voltou à carga contra o ex-presidente Lula.

Em entrevista ao Estadão, o general disse que a decisão do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) em favor do registro da candidatura petista à presidência da República era uma

“tentativa de invasão da soberania nacional. Depende de nós permitir que ela se confirme ou não. Isso é algo que nos preocupa, porque pode comprometer nossa estabilidade, as condições de governabilidade e de legitimidade do próximo governo”.

Depois, em entrevista em 11 de novembro de 2018,  entrevista à Folha de S. PauloVillas Bôas deu a entender que os militares poderiam intervir, caso o STF concedesse habeas corpus ao ex-presidente Lula, em 4 de abril de 2018.

“Eu reconheço que houve um episódio em que nós estivemos realmente no limite, que foi aquele tuíte da véspera da votação no Supremo da questão do Lula.

Ali, nós conscientemente trabalhamos sabendo que estávamos no limite. Mas sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse. Porque outras pessoas, militares da reserva e civis identificados conosco, estavam se pronunciando de maneira mais enfática. Me lembro, a gente soltou [o post no Twitter] 20h20, no fim do Jornal Nacional, o William Bonner leu a nossa nota.

(…) a relação custo-benefício foi positiva. Alguns me acusaram… de os militares estarem interferindo numa área que não lhes dizia respeito. Mas aí temos a preocupação com a estabilidade, porque o agravamento da situação depois cai no nosso colo. É melhor prevenir do que remediar”.

O fato é que, desde abril de 2018, os ministros do Supremo já negaram quatro pedidos da defesa de Lula.

O último, em 26 de junho, quando os ministros do STF encontraram um jeito de sustentar a absurda prisão do ex-presidente que se comprova cada vez mais ser uma grande fraude da Lava Jato.

Medo?

Tutela de militares?

Aha, uhu, com a Lava Jato?

Amnésia seletiva em relação ao papel de guardião da Constituição?

Curiosamente, nunca se viu o general Villas Bôas tentar intimidar o STF por conta da tramitação arrastada dos inquéritos envolvendo o deputado federal Aécio Neves (PSDB/MG)  nem o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), esbravejar contra o parlamentar mineiro.

Diferentemente de Lula, sobre quem não há nenhuma prova, contra Aécio existem muitas. o que deve preocupar seus advogados.

“Deu tudo errado”, confidenciou um deles a seus colegas de mesa de um bar da moda na zona sul de Belo Horizonte, na noite de 14 de maio de 2019.

Naquele dia, o juiz federal João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, determinou o bloqueio de R$ 128.049.063,00 de Aécio na ação que apura o pagamento propinas do Grupo J&F ao deputado.

O advogado de Aécio se referia ao inquérito nº 4.519, que o ministro Marco Aurélio, do STF,  enviou para a Justiça Federal de São Paulo, em 5 de fevereiro de 2019.

Até 14 de maio de 2019  a única decisão punitiva imposta a Aécio Neves ocorrera em maio de 2017, quando ele ainda era senador.

O ministro Edson Fachin, do STF, determinou-lhe o afastamento  do mandato em função da delação de pessoas ligadas ao Grupo J&F, dizendo que ele havia recebido propinas da empresa.

Em 30 de junho de 2017, o ministro Marco Aurélio suspendeu o afastamento de Aécio:“O senador teve uma carreira elogiável”, justificou na época.

Em 26 de setembro de 2017, por maioria de votos, a Primeira Turma do STF determinou o afastamento de Aécio do mandato e o seu recolhimento domiciliar noturno, ou seja, proibiu-o de sair à noite de casa. Por unanimidade, porém, negou a prisão preventiva.

Mas, em 17 de outubro de 2017, o Senado derrubou a decisão do STF e rejeitou o afastamento de Aécio.

Em 17 de outubro de 2017, o Senado derrubou a decisão do STF e rejeitou o afastamento de Aécio.

OS QUATRO INQUÉRITOS QUE ESTÃO NO STF

Desde 2016, nove inquéritos já foram instaurados contra Aécio Neves no STF.

Permanecem lá apenas quatro.

Dois estão com o ministro Gilmar Mendes: o 4.444 e o 4.244.

O ministro Ricardo Lewandowski está com a relatoria do inquérito nº 4.423.

Já o ministro Edson Fachin é o relator do inquérito nº 4.436, que diz respeito às propinas recebidas pelo tucano das empresas Odebrecht e Andrade Gutierrez.

Sobre o 4.436, em abril deste ano, nós divulgamos aqui com exclusividade: Perícia da PF comprova pagamento de R$ 57  milhões a Aécio.

Dos inquéritos no STF, o mais esclarecedor das práticas corruptas de Aécio e seu grupo é o de nº 4.244, que o ministro Gilmar Mendes tem sucessivamente evitado levar a julgamento na Segunda Turma.

Refere-se ao esquema de propinas montado na estatal Furnas entre 1996 e 2005 e às contas secretas de Aécio,  do seu preposto Dimas Toledo e de familiares de ambos. Corresponde ao período em que Dimas foi diretor de Engenharia de Furnas.

Em agosto de 2017, por meio do Procedimento de Cooperação Internacional n° 1.00.000.003849/2017-36, a procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, solicitou assistência jurídica do Principado de Liechtenstein, um paraíso fiscal nos alpes suíços.

No início de 2018, após receber informações enviadas por Liechtenstein, a PGR constatou que os valores arrecadados em propinas em Furnas eram enviados para contas secretas de Aécio, Dimas Toledo e seus familiares nesse paraíso fiscal.

EX-EXECUTIVO DA  TOSHIBA REVELOU ESQUEMA DE FURNAS

O esquema foi relatado por José Antônio Csapo Tala Vera, ex- superintendente da empresa Toshiba S.A, à Polícia Federal em depoimento prestado em março de 2006.

A Toshiba integrava o grupo de grandes empresas que dominavam as licitações e o fornecimento de bens e serviços para o setor elétrico brasileiro.

Entre os  seus membros, o grupo era chamado de “Clube”.

Além da Toshiba, faziam parte as multinacionais, Weg, Alston, ABB, GE e Gevisa (sociedade entre GE, Villares e Banco Safra).

Segundo Tala Vera, o “Clube” reunia-se periodicamente na cidade de São Paulo, sem local próprio, quando eram definidos os vencedores de licitações e contratos com o Poder Público, os valores das propinas e as empresas que seriam subcontratadas.

Segundo Tala Vera, apenas para participar da construção das usinas termelétricas de Campos dos Goytacazes/RJ e São Gonçalo/RJ a Toshiba havia pago US$ 5 milhões de propina.

Temendo ser responsabilizado, Tala Vera informou o caso à matriz da Toshiba no Japão, cujo presidente veio ao Brasil para apurá-lo.

A empresa saiu do “Clube” e recomendou a Tala Vera que  prestasse  depoimento, que aconteceu em março de 2006 e deu início ao inquérito sobre Furnas.

O modelo adotado pelo grupo para lavagem dos valores das propinas era a celebração simulada de contratos de prestação de serviços de assessoria técnica.

Ou seja, um contrato fictício, faz de conta.

O Dr. Terra citado no depoimento de Tala Vera (veja nas imagens acima) é José Pedro Terra, dono de quatro empresas: BCE – Brazilian Comércio Exterior Ltda; ECB -Empresa de Construção Brasileira Ltda; Compobras S/A; e Intertel Com e Construção Ltda.

Em depoimento no processo nº 2005.51.01.517099-4, hoje parte integrante do inquérito nº 4.244 do STF, Terra informou que as suas empresas celebraram contratos fictícios de assessoria técnica com a Toshiba e JP Engenharia em decorrência de contratos que as duas tinham firmado com Furnas para a implantação das usinas termelétricas de São Gonçalo (RJ) e Campos de Goytacazes (RJ).

Entre 2000 e 2005, 17 contratos foram assinados nesses moldes entre a Toshiba e JP e as empresas de Terra em função de Furnas.

Ao analisar o contrato 13.955 Furnas/JP Engenharia e o 13.770 Furnas /Toshiba, a Controladoria Geral da União (CGU) encontrou irregularidades, aplicando-lhes multas, como mostra a tabela abaixo.

As empresas pertencentes ao “Clube” faturaram por quase uma década 45% do orçamento anual de Furnas, que, em 2004, era R$17.542 bilhões.

O doleiro Alberto Youssef era o operador da Bauruense Tecnologia e Serviços Ltda, a menor empresa do esquema de Furnas.

Em sua delação complementar nº 21, ocorrida em 21 de outubro de 2014, Youssef informou que a sua cliente, a Bauruense, pagava mensalmente US$ 100 mil de propina.

Multiplicando essa importância pelos meses do período (qual foi o período), chega-se a importância de US$ 11,4 milhões  ou R$ 45,83 milhões

Em apenas dois contratos celebrados entre Furnas e Bauruense (CT 13.930/00 e CT) 13109/00), a auditoria da CGU apontou várias irregularidades que, em valores atualizados, somam R$ 114 milhões.

CONTRATADA ERA MEMBRO DE COMISSÃO DE LICITAÇÕES!

Os absurdos praticados eram tão grandes que o Tribunal de Contas da União (TCU) ao analisar os contratos celebrados entre Furnas e Bauruense, que uma funcionária contratada pela Bauruense era membro da Comissão Especial de Licitação de certames cuja vencedora foi a própria Bauruense.

Dos nove inquéritos instaurados contra Aécio Neves no STF, quatro, como já dissemos no início, continuam na Corte.

Quanto aos demais inquéritos, o Supremo arquivou um, encaminhou dois para São Paulo e outros dois para Minas Gerais.

Em São Paulo, estão os inquéritos:

Nº 4.506 — Decorrente das gravações feitas pelo empresário Joesley Batista, do grupo J&F, dizendo que teria pago R$ 2 milhões em propinas para Aécio. Neste inquérito, o deputado tucano tornou-se réu na semana passada. A sentença é também do juiz federal João Batista Gonçalves que, em 14 de maio de 2019, determinou o bloqueio de R$ 128.049.063,00.

Nº 4.519 — É aquele em que juiz federal João Batista Gonçalves determinou o bloqueio de R$ 128.049.063,00. Também apura  o pagamento propinas do Grupo J&F ao deputado. Este inquérito veio do STF para São Paulo tendo Aécio Neves já como réu.

Já em Minas Gerais estão os inquéritos:

 Nº 4.392 –Tramita no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e diz respeito à construção da Cidade Administrativa, que custou R$ 1,2 bilhão.

Segundo documentos e delações de executivos da Odebrecht:

“Aécio teria organizado esquema para fraudar processos licitatórios, mediante organização de um cartel de empreiteiras, na construção da Cidade Administrativa (ou Centro Administrativo) de Minas Gerais, com o escopo último de obter propinas decorrentes dos pagamentos das obras”

 Nº 4.414 –Tramita no Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais.

Segundo esse inquérito o ex-executivo da Odebrecht,  Benedito Barbosa,  informou em delação premiada que,  em 2010, financiou a campanha de Antonio Anastasia (PSDB) ao governo do Estado e entregou R$ 5.475.000,00 a Oswaldo Borges da Costa Filho, o Oswaldinho, operador de Aécio.

Para dar uma melhor noção do volume de dinheiro envolvido, fizemos a tabela abaixo com os valores mencionados nos inquéritos. Por isso, não incluímos Furnas e o dinheiro depositado em contas secretas no Principado de Liechtenstein, pois não aparecem ainda no inquérito.

A propósito. As recentes decisões do juiz federal João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, serão mantidas?

Será o término da impunidade de Aécio e seus operadores, que mesmo diante de vultosos valores recebidos em propina, incontestáveis provas e permanente prática de obstrução da Justiça?

Ou, em breve, as decisões do juiz federal João Batista Gonçalves serão revogadas, como algumas pessoas do meio jurídico apostam?

E, aí, general Villas Bôas, o senhor vai se pronunciar a respeito? E o senhor, general Heleno, não vai ter um chilique?

*Marco Aurélio Carone é editor do Novojornal.
Via Viomundo

Comente

Comente

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Descubra mais sobre

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading