Com Bolsonaro, “nem reza braba”, diz Gleisi ironizando pedido de orações contra desemprego e inflação

Comentário da presidente nacional do PT foi feito em referência à crise hídrica brasileira, que passa a ameaçar a agricultura e “vai pressionar preços de alimentos, que já estão altos”, conforme afirmou a deputada federal. Estudo mostra que queimadas na Amazônia podem reduzir chuvas em até 70% – SAIBA MAIS

A deputada federal e presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann (PT-PR), disse no início da tarde desta quinta-feira (19) que a “crise hídrica ameaça agricultura e vai pressionar preços de alimentos, que já estão altos“. Por conta deste triste panorama, Hoffmann acrescentou que “com esse governo nem reza braba“, ao se referir aos pedidos de orações feitos pelo presidente do Brasil contra o desemprego e a inflação: “E Bolsonaro fala em fé pra sair da crise“, surpreendeu-se a deputada, especialmente porque o “governo não tem política nem pra uma coisa nem pra outra, vai subir os juros na tentativa de conter preços“, disse.

Sobre a mais nova ameaça brasileira – a crise hídrica -, o arroz com feijão do povão está ameaçado, segundo texto do jornal O Globo, desta quinta-feira. Isso implicará fatalmente em novo racionamento de energia, mas não é só. Também o agronegócio começa a sentir os efeitos da falta de chuvas no país. No setor que mais cresce no país, a agricultura irrigada, aquela em que é aplicada água diretamente na raiz das plantas e mais presente na produção de alimentos para o mercado interno, já convive com aumento de custos e quebra de safra.

A falta de chuvas pode frear novos negócios e é mais uma pressão sobre os preços dos alimentos que acumulavam alta de 15, 27% nos últimos 12 meses até julho. De acordo com a Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), já foram observadas altas em torno de 30% no custo da irrigação em vários estados. Representantes do agronegócio no Sul do Brasil também estimam perdas de até 50% na produção da dupla mais famosa do prato do brasileiro: o arroz e o feijão.

A falta de chuvas e os baixos níveis dos reservatórios começam a afetar a produção de produtos cultivados tanto na chamada agricultura de sequeiro (na qual a irrigação pode ocorrer somente nos períodos secos) como na agricultura irrigada, onde o uso do direcionamento da água para as plantas é constante.

No Paraná, o maior estado produtor, houve queda de 20% em relação ao que foi projetado para a segunda safra de feijão, informou o Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe). Ao sul do Rio Grande do Sul, as perspectivas para o início do plantio de arroz irrigado são preocupantes.

Desde 2018, chove menos do que deveria na região, e a principal fonte, a barragem do Arroio Duro, que acumula água no inverno e na primavera para irrigar no verão, está bem aquém da capacidade, com 38%, quando deveria ficar, nesta época, estar em 70%.

Everton Fonseca, engenheiro agrônomo e gerente de operação e manutenção da Associação dos Usuários do Arroio Duro, relata que o volume de chuvas está 30% do normal para esta época do ano. Ele é um dos responsáveis pela distribuição de água para três municípios com capacidade para irrigar 20 mil hectares.

No ano passado, a área irrigada diminuiu 26% e, este ano, a redução chegaria a 30%, em uma projeção conservadora. “Se as previsões se confirmarem, a queda pode chegar a 50%“, prevê Fonseca. Segundo ele, a população de Camaquã, Arambaré e Cristal está se abastecendo com caminhões pipas. Grande parte dos moradores que está no campo usa poços artesianos, ou cacimbas superficiais.

De acordo com o último censo agropecuário do IBGE, a área plantada da agricultura familiar no Brasil é de 81 milhões de hectares. Segundo o Atlas Irrigação da Agência Nacional de Águas (ANA), 8,2 milhões de hectares são irrigados: “Os números são expressivos, dependendo do tipo de cultura“, ressalta Jordana Girardello, assessora técnica da Comissão Nacional de Irrigação da CNA. Segundo ela, 90% do arroz produzido no Brasil são irrigados, e o café cultivado por esse sistema corresponde a 30%, ou um terço do que é colhido no país. Atualmente, há três safras por ano de feijão. A terceira safra se dá 100% por irrigação e equivale a 20% do total colhido no país.

O tomate industrial, cultivado por gotejamento e usado na fabricação de polpa, molho e ketchup, é outro forte exemplo de produto a ser seriamente afetado, assim como as hortaliças em geral. Professor de Finanças do Ibmec, Haroldo Monteiro diz que a falta de chuvas influencia principalmente o preço de alimentos como frutas, verduras e legumes: “O consumidor vai sentir os efeitos na feira“.

Segundo o economista-chefe da Órama, Alexandre Espírito Santo, uma redução na produção dos alimentos em razão da seca pode contribuir para elevar ainda mais a inflação dos próximos meses. “Os grupos Alimentação e Bebidas e Transportes são os que mais pesam no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), acima de 20% cada.

Sob o ponto de vista ambiental, destaca Girardello, a irrigação exerce um importante papel, pois é a única forma de aumentar a produção sem expandir o plantio em novas áreas. E tem atuação direta na melhora do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nas populações de regiões mais carentes. Um exemplo é o que acontece no Vale do São Francisco. Os municípios limítrofes de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE) aumentaram em 70% o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em uma década, graças à agricultura irrigada: “As chuvas são sempre incertas e não há um planejamento adequado, para evitar problemas no uso da água. Você pode até ficar sem energia, mas sem alimentos e água não dá“, afirma Lineu Neiva Rodrigues, chefe-adjunto de pesquisas da Embrapa.

Rodrigues lembra que o país ainda é muito dependente de hidrelétricas e precisa investir mais em outras fontes de energia, como a eólica e a solar, principalmente no eixo mais urbanizado do Brasil, que é o grande afetado pelo problema. Ele explica que a falta de chuvas e a queda dos reservatórios atingem, principalmente, a Bacia do Paraná, que abastece a região Centro-Sul do país: “A agricultura já começa a ser atingida, e hidrovias importantes para o escoamento da safra podem ser seriamente prejudicadas.Miguel Oliveira, diretor do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), diz que ainda há um período longo de seca para enfrentar. Não dá para saber agora como ficará a agricultura irrigada, mas a produção agrícola pode ser afetada. Nosso problema é saber quando começará a chover e qual a quantidade de chuva.

Melhoria de barragens

Produtora rural de soja, milho, sorgo, feijão irrigado e gado para corte em Paracatu (MG), Rowena Petroll aprendeu com a crise de 2017. A falta de água impediu o plantio de culturas de inverno e seu faturamento caiu a um quarto do que recebia. “De lá para cá, melhoramos a estrutura para a reserva de água disponível e fizemos melhorias na estrutura de barragens, mas muitos produtores estão preocupados, pois não fizeram esse investimento”.

Desmatamento da Amazônia pode reduzir de chuvas anuais em até 70%

O desmatamento da Amazônia está reduzindo as chuvas mais do que o previsto, aponta um novo estudo internacional liderado pela pesquisadora italiana Mara Baudena, do Instituto de Ciências da Atmosfera e do Clima do Conselho Nacional de Pesquisas de Turim (CNR-Isac) e que foi publicado no “Global Change Biology” nesta terça-feira (17).

Segundo a pesquisa, a destruição da mata pode levar a uma queda de 55% a 70% da precipitação anual.

A floresta amazônica não é apenas um dos “grandes pulmões do mundo”, mas também um local particularmente chuvoso. A produção desse microclima é feita pelo vapor de água liberado pelas plantas durante a fotossíntese e, esse vapor, leva quase imediatamente para as chuvas. É um ciclo que se autoalimenta.

O corte excessivo e incessante das árvores está, conforme a pesquisa, alterando todo esse mecanismo. O estudo, que contou também com a parceria da Universidade de Utrecht, nos Países Baixos, revela que essa alteração no microclima pode ser muito maior do que o estimado até agora.

“Pequenas mudanças na umidade do ar, devido à presença de mais ou menos árvores, podem levar à grandes mudanças na chuva observada”, destaca Baudena.

“Essas amplificações até agora não estavam sendo consideradas. Nesse estudo, analisamos os dados das precipitações e umidade do ar por mais de 10 anos em escala horária em uma grande parte da floresta amazônica e das áreas próximas, em combinação com dados e modelos desenvolvidos em trabalhos precedentes da Universidade de Utrecht, que calculam que a umidade venha da transpiração das plantas e é transportada por ventos de toda a Amazônia”, diz a italiana.

Analisando vários parâmetros em amplas áreas da floresta, os pesquisadores chegaram a uma mudança nos modelos de precipitação usados até agora. “Também um desmatamento relativo tem efeitos dramáticos sobre as chuvas, sobre as florestas e sobre as áreas próximas, sedes de plantações e de áreas de gado que, constantemente, têm origens no desmatamento em si”, pontua ainda a pesquisadora.

Para Baudena, “no caso mais extremo no qual toda a floresta fosse desmatada, as nossas estimativas apontam que a queda nas precipitações anuais seria entre 55% a 70%”. Leia a pesquisa (em italiano e inglês).

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