Trump quis matar outro comandante iraniano no Iêmen no mesmo dia em que matou Qassim, diz Washington Post


WASHINGTON | THE WASHINGTON POST – No dia em que as forças armadas dos EUA mataram um importante comandante iraniano em Bagdá, elas realizaram outra missão secreta contra um alto oficial militar iraniano no Iêmen, segundo autoridades americanas.

O ataque contra Abdul Reza Shahlai, um financiador e importante comandante da Força Quds de elite do Irã que atua no Iêmen, não resultou em sua morte, de acordo com quatro autoridades americanas familiarizadas com o assunto.

A ação malsucedida pode indicar que a morte do general Qassim Suleimani pelo governo Trump na semana passada fez parte de uma operação mais ampla do que a anteriormente explicada, levantando questões sobre se a missão foi planejada para prejudicar a liderança da Guarda Revolucionária do Irã ou apenas para impedir um ataque iminente aos americanos, como declarado originalmente.

Cartaz do departamento de Estado oferecendo recompensa por Abdul Reza Shahlai
Cartaz do Departamento de Estado oferecendo recompensa por Abdul Reza Shahlai – Departamento de Estado dos EUA/Divulgação

As operações militares dos EUA no Iêmen, onde uma guerra civil gerou a pior crise humanitária do mundo, estão envoltas em segredo. Autoridades dos EUA disseram que a operação contra Shahlai permanece altamente secreta e muitas se recusaram a oferecer detalhes além de dizer que ela não foi bem-sucedida.

“Se ele tivesse sido morto, teríamos nos vangloriado na mesma noite”, disse um alto funcionário dos EUA, que, como outros, falou sob condição de anonimato para discutir uma operação militar secreta.

Outro alto funcionário disse que os dois ataques foram autorizados na mesma época e que os Estados Unidos não divulgaram a missão de Shahlai porque ela não saiu conforme o planejado. O funcionário disse que Shahlai pode ser um alvo no futuro, embora ambos os países tenham demonstrado interesse em diminuir a crise.

A justificativa para a decisão do governo Trump de matar Suleimani está sob investigação no Congresso, com parlamentares da Câmara tendo aprovado uma resolução na quinta-feira (9) para restringir a autoridade do presidente de atacar o Irã sem a aprovação do Congresso.

Autoridades do Departamento de Defesa e Estado disseram que o ataque contra Suleimani salvou “dezenas”, senão “centenas” de vidas americanas sob ameaça iminente. O ataque contra Shahlai potencialmente complica esse argumento.

“Isso sugere uma missão com um horizonte de planejamento mais longo e um objetivo maior, e realmente coloca em questão por que houve uma tentativa de explicar isso publicamente com base em uma ameaça iminente”, disse Suzanne Maloney, uma estudiosa do Irã na Instituição Brookings.

O governo Trump vê Shahlai como um adversário especialmente poderoso.

Muçulmanos xiitas acendem velas em homenagem a Qassim Suleimani em Islamabad
Muçulmanos xiitas acendem velas em homenagem a Qassim Suleimani em Islamabad – Aamir Qureshi – 7.jan.20/AFP

O Departamento de Estado ofereceu uma recompensa de US$ 15 milhões no mês passado por informações que levem a Shahlai e ao rompimento dos mecanismos financeiros da Guarda Revolucionária. O anúncio dizia que Shahlai está sediado no Iêmen e tem “uma longa história de envolvimento em ataques contra os EUA e nossos aliados, inclusive na conspiração de 2011 contra o embaixador da Arábia Saudita” em um restaurante italiano em Washington.

Autoridades dos EUA alegaram que Shahlai, nascido em 1957, está ligado a ataques contra as forças americanas no Iraque, incluindo uma sofisticada operação em 2007, na qual milicianos apoiados pelo Irã sequestraram e mataram cinco soldados americanos na cidade de Karbala.

Em entrevista coletiva no ano passado, Brian Hook, enviado especial dos EUA ao Irã, disse que os Estados Unidos continuam “profundamente preocupados com sua presença no Iêmen e com seu possível papel no fornecimento de armas avançadas do tipo que vedamos aos houthis”, que continuam a combater uma coalizão liderada pela Arábia Saudita pelo controle do Iêmen.

O Irã forneceu apoio e treinamento aos rebeldes houthis em sua batalha contra uma coalizão apoiada pela Arábia Saudita, o inimigo regional do Irã.

Não está claro por que a operação não teve êxito. O Pentágono, o Departamento de Estado e a Casa Branca se recusaram a comentar.

A morte de Suleimani, a primeira morte deliberada dos EUA de um membro sênior de um exército estrangeiro desde a Segunda Guerra Mundial, levou a uma retaliação do Irã no início da quarta-feira (8), no Iraque, com disparos de mísseis balísticos em unidades dos EUA no país. Nenhuma vítima tenha sido relatada.

Após o ataque, o presidente Trump disse que os Estados Unidos responderiam impondo sanções econômicas ao Irã e observou que “os Estados Unidos estão prontos para abraçar a paz com todos que a buscam”.

Os principais assessores de Trump continuaram divulgando a natureza “iminente” da ameaça de Suleimani, embora tenham sido menos precisos quanto ao momento.

“Não há dúvida de que Qassim Suleimani estava planejando uma série de ataques iminentes”, disse o secretário de Estado Mike Pompeo à Fox News nesta sexta-feira. “Não sabemos exatamente quando e não sabemos exatamente onde, mas era real.”

O general Mark Milley, chefe do Estado-Maior do Exército, e o secretário de Defesa, Mark Esper, também apoiaram a situação de uma conspiração iminente.

“Ele disse exatamente quem, o que, quando, onde? Não”, disse Milley a repórteres nesta semana. “Mas ele estava planejando, coordenando e sincronizando operações de combate significativas contra as forças militares dos EUA na região, e isso era iminente”.

Milley continuou a defender enfaticamente a inteligência durante uma reunião secreta com membros do Congresso na quarta-feira, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto.

Alguns parlamentares deixaram a reunião reclamando da falta de detalhes sobre a inteligência.

“Acredito que este governo esteja tentando montar uma justificativa para sua ação que foi impulsiva, imprudente e colocou em risco a segurança do país”, disse o deputado democrata Gerry Connolly, da Virgínia.

O senador republicano Mike Lee, de Utah, chamou de “provavelmente a pior exposição, pelo menos sobre uma questão militar, que vi em nove anos que estou aqui”.

Líderes republicanos no Congresso apoiaram a decisão do presidente de derrubar um comandante iraniano ligado à morte de soldados dos EUA após a invasão do Iraque pelos EUA em 2003.

A operação que visa Shahlai ocorre quando as Nações Unidas pressionam por uma solução política para a guerra no Iêmen, que começou em 2015 quando uma coalizão militar liderada pela Arábia Saudita iniciou sua campanha contra os rebeldes houthis. O governo iemenita, apoiado pela Arábia Saudita, tem lutado para recuperar o controle contra os houthis, permitindo que uma crise humanitária enorme se deteriore, na qual dezenas de milhares de iemenitas morreram em conflitos, por miséria ou doenças.

Autoridades dos EUA acreditam que o Irã tem ampliado continuamente seu apoio aos houthis, colocando o que eles dizem ser um pequeno número de agentes iranianos no Iêmen para assessorar a campanha rebelde. Especialistas dizem que um número maior de pessoas do Hizbullah libanês também está ajudando os rebeldes.

O governo Trump mostrou supostas armas iranianas que foram interceptadas ou recuperadas no Iêmen e nas suas redondezas, como prova de que o Irã está armando os rebeldes houthis, incluindo mísseis sofisticados usados para atingir a Arábia Saudita.

Especialistas dizem que a coalizão liderada pela Arábia Saudita reduziu drasticamente o ritmo de seus ataques aéreos contra alvos houthis nos últimos meses, já que os rebeldes iemenitas interromperam amplamente seus ataques com mísseis contra a Arábia Saudita.

Os líderes houthis estão divididos entre aqueles que querem demonstrar lealdade ao Irã e aqueles que estão abertos a fechar um acordo com seu vizinho ao norte.

De acordo com o Long War Journal, que rastreia as operações de contraterrorismo no exterior, os Estados Unidos realizaram oito ataques contra militantes no Iêmen em 2019, ante uma alta de cerca de 125 ataques em 2017. Os ataques atingiram a Al Qaeda na Península Arábica e no Iraque, e a filial local do Estado Islâmico.

A tentativa de ataque a Shahlai também marca a saída da missão do Pentágono no Iêmen, que tentou evitar o envolvimento direto nos combates entre as forças houthis e os apoiados pela coalizão liderada pela Arábia Saudita. Em 2018, as forças armadas interromperam um programa no qual os aviões dos EUA reabasteciam jatos de combate do Golfo, em meio a críticas às mortes de civis causadas por missões aéreas da coalizão.

Os Estados Unidos não tinham reconhecido antes publicamente nenhum ataque contra líderes houthis ou iranianos no Iêmen, embora as forças de Operações Especiais tenham procurado rastrear movimentos iranianos e interromper o suposto contrabando de armas iranianas para o país.

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