Entenda o que dizem os ‘hermanos‘ sobre os motivos que levaram à mudança de opinião de uma grande parcela que votou no ‘Bolsonaro argentino‘ durante a PASO, mas que agora saúda o candidato do governo de Fernández, que se torna cada vez mais o grande favorito à Casa Rosada
Com a apuração de 93,4% das urnas da Argentina, o candidato Sergio Massa, apoiado pelo presidente Alberto Fernández, obteve 36,7% do total de votos. Javier Milei, conhecido no país ‘hermano’ como o ‘Bolsonaro argentino‘, ficou para trás, apesar de estar no páreo do segundo turno, com 30%.
No dia 19 de novembro, ambos se enfrentarão novamente nas urna e o povo de lá determinará o futuro de cada um. Otimista, Massa afirmou que “no dia 10 de dezembro começa uma nova etapa no meu governo”.
A sociedade argentina, conforme publica o ‘Página 12‘ nesta segunda-feira (23/10), “deu as costas àqueles que propunham um país onde os pobres teriam de vender os seus órgãos ou os seus filhos, onde os perpetradores genocidas seriam glorificados e as Malvinas seriam entregues, um sistema onde os candidatos usam metáforas de sexualidade perversa para rejeitar a educação sexual“.
O partido de Milei, o ‘União por la Pátria‘, será a primeira minoria no Congresso Nacional, tanto na Casa dos Senadores quanto na dos Deputados, independentemente de como for o segundo turno, diz o jornal.
Os resultados superaram todos os números que as pesquisas indicavam. Muitas são as explicações, mas este resultado de domingo mostra que a sociedade está consciente da diferença entre a PASO (Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias), ocorrida em 14 de agosto, quando Milei foi o mais votado, e as eleições gerais deste domingo, quando Massa o ultrapassou.
É muito difícil tirar conclusões destes resultados. Neste caso, os resultados foram opostos em termos de vencedores e diferenças, diz o ‘Página 12‘. A forma como Sergio Massa abordou sua campanha influenciou muito nessa grande diferença entre esses resultados e o PASO. Em vez de recuar para uma campanha defensiva ou concessiva, saiu forte e com propostas que os seus concorrentes não tinham.
Isso ocorreu, segundo o jornal argentino, especialmente no flanco da economia, onde a inflação a tornou mais vulnerável. A nova discussão com o Fundo em termos de licitação e não de demissão implicou uma mudança na sociedade. Da mesma forma que impactou a bateria de medidas distributivas que emitiu no final da discussão com o FMI.
Esta dura negociação e as medidas com elevado impacto na economia popular também contribuíram para a resposta enérgica aos especuladores do dólar. Em pouco tempo conseguiu passar a imagem de um timoneiro de caráter, alguém capaz de tomar decisões em situações adversas. Mas, ao mesmo tempo, esta imagem enérgica baseava-se numa atitude mais aberta e numa vontade de diálogo do que a demonstrada pelos seus concorrentes.
Soma-se a esse resultado o medo despertado pelos anúncios mais bizarros de Milei, que retratavam um país mergulhado na Idade Média, nas mãos de um grupo de pessoas perturbadas. E em Juntos pela Mudança, foram sangrentos o acirrado conflito interno entre Horacio Rodríguez Larreta e Bullrich e a atitude ambígua de Mauricio Macri que fez mais gestos a favor de Milei do que os candidatos de sua força. Como ministro da Economia, Massa foi muito eficaz em reverter o mau humor da sociedade diante de uma inflação tão elevada, uma questão muito pesada e que permanece pendente.
Mas, sem dúvida, o grande protagonista da eleição foi Axel Kicillof [governador de Buenos Aires reeleito nas gerais deste domingo] porque o seu resultado é consequência de uma gestão de quatro anos, de um contexto muito difícil, período em que ele tomou decisões no maior e mais complexo distrito, para onde convergem todos os conflitos e onde o impacto da crise foi mais forte. Saiu da casa do governo, mostrou-se um governador ‘todo terreno‘, no território, próximo do povo e com muitas obras públicas e gestão.
Foi a base de apoio de Massa para ganhar impulso. Com uma província de Buenos Aires mal governada, teria sido muito mais difícil reverter as expectativas generalizadas de uma vitória da direita.
Precisamente por causa destas expectativas frustradas, alimentadas pelos meios de comunicação hegemônicos e pelas sondagens, a derrota da direita, tanto do ‘Juntos pela Mudança‘, da terceira colocada, representante da direita, Patricia Bullrich, como do ‘La Libertad Avanza‘, de Milei, é dupla.
Para Massa é uma vitória dupla porque teve que superar essa tendência. A sociedade reagiu de forma saudável porque nem Patricia Bullrich nem Milei propuseram uma saída e permaneceram em gritos de guerra contra seus adversários.
Javier Milei fez um pronunciamento acenando aos líderes do ‘Juntos pela Mudança‘ com uma possível aliança no segundo turno: “Estou disposto a embaralhar as cartas e dá-las de novo para acabar com o kirchnerismo“, afirmou.
Mas, na campanha para o segundo turno, Massa e Milei vão se retirar da base eleitoral do ‘Juntos pela Mudança‘, diz o ‘Página 12‘. Milei menosprezou os radicais, mas apoiou Macri. Massa apelou a um governo de unidade nacional e prometeu integrar funcionários e técnicos de todas as correntes políticas. O ‘Juntos pela Mudança‘, derrotado, foi muito atingido com esse resultado de domingo e deverá ter que suportar os empurrões e puxões dos outros dois candidatos. O futuro não o favorece, diz o jornal.
Milei se apropriou do discurso de Bullrich, a terceira colocada. Em seu discurso, ao comemorar sua derrota como se fosse uma vitória, ele falou mais contra o ‘Kirchnerismo’. Obviamente, para ele, grande parte dos dirigentes do ‘Macrismo‘ e de todo o radicalismo, com quem tentará aliar-se, fazem parte da casta.
Milei se mostrou um candidato desesperado para conseguir os votos que lhe faltam. Já Massa, em seu discurso de ontem à noite, ficou no meio do ringue e falou como presidente: agradeceu a todos os argentinos, parabenizou-os pela votação. Ele parecia animado, mas ao mesmo tempo calmo. Ao contrário daquele Milei exasperado, exalando ódio contra seus adversários, Massa parecia calmo, falava dos filhos, quando os de Milei falavam em renunciar à paternidade, falava do Papa, quando Milei dizia que ele era um representante do “maligno”. Ele era exatamente o oposto da extrema direita histérica.
A campanha para o segundo turno certamente terá outros conteúdos e a diferença de modelos de países propostos por cada um é muito mais clara, encerra o ‘Pagina 12‘.