O áudio do general que prova prática de tortura na ditadura que Bolsonaro chama de ‘revolução’

Em 1976, o ministro do Superior Tribunal Militar, almirante Júlio de Sá Bierrenbach, disse que as denúncias de maus tratos estavam atingindo a imagem do Brasil no exterior

O advogado Fernando Fernandes e o historiador Carlos Fico, titular de História do Brasil da UFRJ, tiveram acesso a 10 mil horas de gravações das sessões, inclusive as secretas, do STM (Superior Tribunal Militar) e identificaram áudios que comprovam a prática de tortura durante o período da ditadura militar, que o presidente Jair Bolsonaro (PL) insiste em se referir como ‘revolução’.

A revelação dos áudios foi feita pela jornalista Miriam Leitão, do jornal O Globo, que postou as mídias comprovando a prática de tortura.

Os áudios resgatados mostram ministros conversando abertamente sobre as torturas.

Em um dos trechos, de 1976, o ministro do STJ, almirante Júlio de Sá Bierrenbach, diz que as denúncias de maus tratos atingem a imagem do Brasil no exterior.

Ele rende homenagem à operação bandeirante – que perseguiu dissidentes do governo, mas afirma que não pode admitir que um homem depois de preso tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes.

Ouça a mídia que a GloboNews produziu a partir do áudio, após a transcrição abaixo:

Muito tem se falado em direitos humanos. Com profunda tristeza tenho tomado conhecimento da repercussão no exterior de fatos que se passam no Brasil. Fatos esses que também ocorrem em todos os demais países civilizados do mundo
Almirante Júlio de Sá Bierrenbach (8/1/1919 – 11/6/2015) – Ex-presidente do STM (Superior Tribunal Militar)

Quando aqui vem à baila um caso de sevícias, esse se constitui um verdadeiro prato para os inimigos do regime e para a oposição ao governo. O que não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes, na maioria das vezes, de pior caráter que o encarcerado
Almirante Júlio de Sá Bierrenbach (8/1/1919 – 11/6/2015) – Ex-presidente do STM (Superior Tribunal Militar)

Senhores ministros, já é tempo de acabarmos de uma vez por todas com os métodos adotados por certos setores policiais de fabricarem indiciados, extraindo-lhes depoimentos perversamente pelos meios mais torpes, fazendo com que eles declarem delitos que nunca cometeram, obrigando-os a assinar declarações que nunca prestaram e tudo isso é realizado por policiais sádicos a fim de manterem elevadas as suas estatísticas de eficiência nos esclarecimentos de crimes
Almirante Júlio de Sá Bierrenbach (8/1/1919 – 11/6/2015) – Ex-presidente do STM (Superior Tribunal Militar)

Ouça a seguir:

Indicado pelo presidente da República, general Ernesto Geisel, para o cargo de ministro do STM, Bierrenbach declarou serem os presos intocáveis e que as inquirições deveriam ser conduzidas com inteligência e não com violência. As informações constam no portal da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Três meses depois, durante o julgamento de Paulo José de Oliveira Morais, acusado de assalto a bancos e enquadrado na LSN (Lei de Segurança Nacional), Bierrenback denunciou na qualidade de revisor do processo as torturas praticadas contra o réu nas dependências do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de Niterói (RJ).

Sua condenação aos métodos policiais de “fabricar culpados” incidira sobre o governo do estado do Rio de Janeiro, cujo titular era o almirante Floriano Peixoto Faria Lima, com quem viria a incompatibilizar-se de novo posteriormente. Em 16 de dezembro de 1977, ao término da última sessão do STM daquele ano, declarou que “o ciclo dos generais da Revolução, de 21 anos, iniciado em 1964, estará completado em 1985”.

Em abril de 1978 recusou a homenagem que lhe seria prestada por estudantes de direito de São José dos Campos (SP) pelo trabalho jurídico no STM, por considerar que o exercício do cargo era incompatível com honrarias.

Nesse mesmo mês, durante a discussão sobre possíveis reformulações na legislação de repressão política, declarou-se favorável a modi­ficações na LSN, “com a diminuição das penas mínimas, que eram muito elevadas, porém com a manutenção das penas máximas”, ressalvando que a LSN havia sido, em período anterior, um instrumento eficaz no combate à guerrilha urbana em São Paulo.

Em setembro seguinte votou a favor da pena de morte – sendo, no entanto, voto vencido – contra os réus José Sales de Oliveira e Carlos Timoschenko de Sales, militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) acusados do assassinato de um comerciante no Ceará em agosto de 1970.

Pedindo a punição de uma “minoria depravada” na polícia do Rio de Janeiro, voltou a denunciar, em outubro de 1978, a prática de sevícias e torturas sobre prisioneiros e a morte de três presos em cárceres fluminenses.

Ainda naquele mês, durante a discussão do projeto de anistia, declarou que a medida deveria beneficiar apenas os casos exclusivamente políticos, ficando dela excluídos os assaltantes e homicidas.

Na mesma ocasião, formulou críticas a um discurso do general Rodrigo Otávio Jordão Ramos, também ministro do STM, no qual este pregava a anistia geral aos crimes políticos, sem exceção, e o fim do autoritarismo e das leis excepcionais.

Em dezembro, com base em suas denúncias, o STM solicitou mais uma vez ao governador Faria Lima a investiga­ção de torturas no estado do Rio de Janeiro.

No início de abril seguinte, voltou a criticar a omissão de Faria Lima na apuração das torturas e referiu-se mais uma vez aos numerosos crimes pratica­dos pela polícia e ao clima de violência e terror reinante na Baixada Fluminense.

Durante o ano de 1980 e no início de 1981, foram registrados atentados terroristas, muitos deles praticados pela direita. Bierrenbach, nessas oportunidades, declarou tanto no plenário do STM como a jornais e revistas, ser contra a violência de qualquer origem.

O caso Riocentro

No dia 30 de abril de 1981, por ocasião dos festejos do 1º. de Maio, no Riocentro, explodiu uma bomba no interior de um veículo, matando imediatamente um dos seus ocupantes, o sargento Guilherme Pereira do Rosário, e ferindo gravemente o outro, capitão Wilson Luís Chaves Machado.

Soube-se, mais tarde, que os dois militares cumpriam “missão de rotina” no local, ficando explícito que ambos pertenciam aos órgãos de segurança do I Exército. Imediatamente foi instaurado um IPM para averiguar as causas do incidente.

Estranhando a morosidade do andamento das investigações, Bierrenbach declarou, no início de maio, que “enquanto os órgãos policiais não apurarem e não apresentarem elementos suficientes à Justiça Militar, os crimes de terror continuarão impunes”.

Em 30 de ju­nho, os responsáveis pelo IPM concluíram seu relatório, no qual afirmavam que os dois militares “teriam sido vítimas de uma armadilha cuidadosamente colocada no carro do capitão”.

Em setembro, Bierrenbach depois de ouvir o voto do ministro Antônio Carlos Seixas Teles, favorável ao arquivamento do caso, pediu vista do IPM do Riocentro, afirmando que não conseguira sanar suas “dúvidas sobre os autos”. No entanto, em sessão datada de 2 de outubro, o STM pronunciou-se a favor do arquivamento definitivo do IPM, por dez votos contra quatro. Em voto escrito totalizando 52 páginas, Bierrenbach pediu a abertura de um novo inquérito para que o capitão Wilson Machado fosse ouvido em uma auditoria como acusado, “a menos que o Ministério Público Militar queira ser levado ao descrédito perante toda a nação”.

O caso Riocentro gerou uma crise no inte­rior do STM e entre essa corte e o Ministério do Exército, cujo titular, general Válter Pires, criticara – sem citar nomes – a atuação de Bierrenbach.

Em nota divulgada pela imprensa em 10 de outubro, Bierrenbach afirmou que mantinha in totum seu voto contra o arqui­vamento do IPM do Riocentro e que repudiava “com veemência” as críticas que recebera do ministro Válter Pires e do seu colega de tribunal general Carlos Alberto Cabral Ribeiro.

Em novembro de 1982, após as eleições legislativas e para os governos estaduais, manifestou-se favorável à eleição direta para a presidência da República em 1984, com candidatos civis disputando o pleito.

Afirmou também que o ciclo militar havia chegado ao fim.

Defendeu ainda a eleição direta para as prefeituras das capitais e dos municípios considerados áreas de segurança nacional.

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