Mangueira é a Campeã do Carnaval 2019. Saiba por que a previsão se confirmou

Escola recontou a história do Brasil a partir de heróis negros e índios. Viúva de Marielle Franco, vereadora do PSOL morta em março do ano passado, desfilou na última ala.

A Mangueira deu uma aula de história na Sapucaí. Mas foi uma história alternativa, com destaque para heróis da resistência negros e índios em vez dos personagens tradicionais das páginas de livros escolares.

O enredo “História pra ninar gente grande” foi assinado pelo carnavalesco Leandro Vieira e contado em 24 alas e cinco alegorias. Em busca do título, a Mangueira exibiu uma bandeira do Brasil com as cores da escola no final do desfile.

RESULTADO DA #ApuracaoRJ EM 06/03/2019

Com um enredo com forte conteúdo social, a Mangueira emocionou o público que compareceu na Sapucaí, no segundo dia de desfiles do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro, na madrugada desta terça-feira (5). A escola verde e rosa, uma das mais tradicionais do país, apresentou o enredo “História pra ninar gente grande”, com o qual conafrodescendentestou a trajetória de heróis negros e índios esquecidos dos livros e não mencionados na história oficial do Brasil.

Com fantasias vibrantes e alegorias impactantes, a escola mostrou um pouco da história de líderes como Luis Gama, advogado abolicionista; Luisa Mahin, ativista participante da revolta dos Malês; Dandara, líder quilombola esposa de Zumbi dos Palmares, além de tratar de temas como as revoltas indígenas. A comissão de frente retratou os “grandes nomes da história nacional” que, na verdade, tem um caminho forjado por sangue. 

Brasil, meu dengo, a Mangueira chegou, com versos que o livro apagou, desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento, tem sangue retinto pisado, atrás do herói emoldurado, mulheres, tamoios, mulatos, eu quero um país que não está no retrato“.

Ao longo do desfile, os carros trouxeram frases como “Ditadura Assassina”, mostraram ex-presidentes como Floriano Peixoto pisando em cadáveres e apresentaram os Bandeirantes como gananciosos que mataram e escravizaram índios em busca de ouro (ao invés da imagem de desbravadores que consta nos livros escolares).

Brasil, o teu nome é Dandara, e a tua cara é de cariri, não veio do céu, nem das mãos de Isabel, a liberdade é um dragão no mar de Aracati“.

A Mangueira também homenageou a vereadora Marielle Franco (Psol), assassinada a cerca de um ano, cujas investigações seguem sem solução. Além de citar o nome dela no samba, no final do desfile uma das últimas alas trouxe diversas bandeiras com o rosto da vereadora em verde e rosa (as cores da agremiação). A arquiteta Mônica Benício, viúva de Marielle, esteve presente na passarela, usando uma camiseta com os dizeres “Lute como Marielle”. O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) e o vereador Tarcísio Motta (PSOL) também participaram do desfile.

Salve os caboclos de julho, quem foi de aço nos anos de chumbo, Brasil, chegou a vez, de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês“.

Um dos destaques da escola foi a bateria que levantou o público ao utilizar instrumentos característicos de religiões de matriz africana. A ação foi pensada não apenas pela sonoridade, mas para explicitar, mais uma vez, o tom político e social do desfile de 2019, buscando valorizar a cultura afro e criticar o preconceito contra as religiões afrodescendentes.

Por fim, leia este texto maravilhoso e, ao final da postagem, assista ao vídeo completo do desfile:

O SAMBA DA MANGUEIRA (2019) E “O PERIGO DA HISTÓRIA ÚNICA” DE CHIMAMANDA NGOZI ADICHIE POR:PADRE GEGÊ

Dentre os belos sambas deste ano, destaco de modo muito singular o samba-enredo da Estação Primeira. Pára além dos binarismos de oposição do tipo “esquerda x direita”, a Mangueira oferece um caminho de revolução histórica a partir do legado africano ancestral que, necessariamente, implica na oralidade; logo, no saber/poder de “contar”. E contar é fazer memória; contar é não esquecer; contar é disputar narrativas; contar é transgressão; contar é assumir protagonismos! Nesse horizonte, a Mangueira oferece uma ferramenta potente na ordem da resistência e do enfrentamento porque “no som do seu tamborim e no rufar do seu tambor” ensina que a história do negro tem que ser contada pelos negros, a história dos indígenas pelos indígenas, das mulheres pelas mulheres etc. Contar a própria história é um ato político por excelência. Nesse sentido, a Mangueira dialogo com a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi que fala do “Perigo de uma história unica”. Diz a escritora: “É impossível falar de única história sem falar sobre poder”. Não permitir que o outro conte sua própria história é destruir o outro enquanto sujeito. Chimamanda termina assim sua fala:” Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso”. Acredito que o samba da Mangueira propõe exatamente isto: reconquistar “um tipo de paraíso”. E esse paraíso passa pela memória feita pelos seus protagonistas. E não há história neutra. Marielle, por exemplo, lida por um lugar de poder é considerada defensora de bandidos, mas por outro lugar de poder é considerada defensora dos direitos humanos; Lula da mesma forma tanto pode ser lido como bandido preso quanto preso político. A libertação da escravatura, na mesma perspetiva, pode ser lida como fruto da bondade da princesa branca ou como processo de luta da população negra. A Mangueira, então, provoca perguntas seríssimas para a atualidade: De que lugar de poder você lê a história? A história que você ouve e conta é a versão do caçador ou a versão do leão. A propósito, adverte um provérbio africano: “Até que os leões inventem as suas próprias histórias, os caçadores serão sempre os heróis das narrativas de caça”. Parabéns e obrigado, Estação Primeira de Mangueira. Só o Samba poderia com afroternura chamar um Brasil tão regredido em suas potencialidades civilizatórias de “meu nego” e ” meu dengo”. E desse jeito carinhoso e familiar o samba o hama a rever sua história a partir dos que o sistema de poder quer ocultar e silenciar. A mangueira insiste: “Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahis, Marielles, Malês”. É isso é revolucionário…O SAMBA tem dessas coisas… O SAMBA tem muito a ensinar, inclusive, a esquerda. O SAMBA tem uma afropotência extraordinária de, muitas vezes, falar de revolução sem falar de revolução!!! Contemos, pois, nossas histórias; resgatemos nossos heróis e heroínas, reconquistemos nossos paraísos, assumamos, de fato, coletivamente, o nosso Brasil com nome de Dandara e rosto de Cariri. E que possamos, assumindo nossos compromissos históricos, com alegria democrática de um carnaval sem fim, poder chamar todos os dias esse Brasil pluriversal de “meu nego” e “meu dengo”. O Brasil, como disse Caetano Veloso no contexto do assassinato de Moa do Katendê, “não pode ser reduzido a essa coisa Bárbara”. Sob as lentes da ancestralidade africana, não se faz política tampouco revolução sem cafuné, sem dengo e sem chamego. E o Brasil carece de cheiro no cangote! Mais uma vez, Parabéns MANGUEIRA. Como uma Preta-Velha, a Estação Primeira de Mangueira bota o Brasil no colo, o chama de “dengo” e o ajuda a ouvir “histórias que os livros não contam”. Da minha parte, nunca vi Jesus na goiabeira, mas, certamente, o verei desfilando sorridente na MANGUEIRA!

A CAMPEÃ:

Dino Barsa para o Et Urbs Magna via G1 / Brasil de Fato

 

 

 

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