Lula suspende implementação do Novo Ensino Médio assinado por Temer com cronograma de Bolsonaro

Modelo amplia carga horária sem considerar auxílio a estudantes trabalhadores aumentando evasão escolar, está desconectado da realidade de escolas, carece de estrutura e efetivo de professores para novas matérias e tira o tempo de disciplinas tradicionais criando flexibilidade para desigualdades na educação



O Ministério da Educação (MEC) irá suspender o cronograma nacional de implementação do Novo Ensino Médio, definido pela Portaria n.º 521, de 13 de julho de 2021. A portaria que oficializa a alteração nas datas foi assinada pelo ministro de Estado da Educação, Camilo Santana, nesta terça-feira, 4 de abril, e deve ser publicada no Diário Oficial da União nos próximos dias.

Ficam suspensos os prazos relacionados aos artigos 4º, 5º, 6º e 7º, que tratam, respectivamente, de: 

implementação nos estabelecimentos de ensino que ofertam o ensino médio dos novos currículos, alinhados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e aos itinerários formativos; 
cronograma referente aos materiais e recursos didáticos para o Novo Ensino Médio, via Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); 
alinhamento das matrizes do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) para a etapa; e 
atualização da matriz de avaliação do Novo Enem.

A suspensão do cronograma vai durar 60 dias, contados a partir do término da consulta pública promovida pelo MEC para a avaliação e a reestruturação da Política Nacional de Ensino Médio, instituída pela Portaria n.º 399, de 8 de março de 2023. 

O que está suspenso é a portaria do cronograma de implementação do Novo Ensino Médio, especificamente, o que está relacionado ao Enem. O que estamos suspendendo é qualquer avanço na implementação, até que essa comissão defina, avalie, ouvindo a todos, quais serão as modificações, mudanças ou correções que nós faremos no ensino médio”, afirmou Camilo Santana, na sede do MEC, em Brasília, após cerimônia de assinatura de um acordo de cooperação técnica interministerial.

O ministro reiterou a importância do diálogo: “Há necessidade de rever toda essa discussão. É o que estamos fazendo ao propor a consulta pública”, completou, segundo a Assessoria de Comunicação Social do MEC,

A Folha de S. Paulo publicou uma cartilha com os principais pontos da reforma e do debate atual:

O QUE É O NOVO ENSINO MÉDIO?

O novo ensino médio amplia a carga horária, de 800 horas para 1.000 horas anuais, e reformula o currículo.
Das 3.000 horas do curso, 1.800 (60%) são reservados para uma grade comum a todos, com as matérias tradicionais, como matemática e português.
As outras 1.200 horas (40%) são dedicadas a disciplinas dos chamados itinerários formativos, que as são opções de currículos específicos, que cada aluno deveria escolher

COMO DEVERIA SER A IMPLANTAÇÃO?

A reforma foi determinada por uma lei assinada durante o governo Temer, em fevereiro de 2017
Já o cronograma foi definido em uma portaria, assinada em 13 de julho de 2021, no governo Bolsonaro, e previa três fases:

1) 2022: implantação no 1º ano do ensino médio de todas as escolas
2) 2023: implantação também no 2º ano do ensino médio
3) 2024: implantação no 3º ano, abarcando assim todo o ensino médio

E o Enem? Como ao fim de 2024 seria a conclusão das primeiras turmas sob o novo ensino médio, a portaria também definiu que o Enem fosse adaptado ao modelo a partir desse ano

O QUE SÃO OS ITINERÁRIOS FORMATIVOS?

São grandes áreas escolhidas pelos estudantes para terem maior aprofundamento. São cinco os itinerários criados por lei:

1) Matemática e suas tecnologias
2) Linguagens e suas tecnologia
3) Ciências da natureza e suas tecnologias
4) Ciências humanas e sociais aplicadas
5) Formação técnica e profissional

Os itinerários podem ser combinados: matemática + linguagens ou ciências da natureza + linguagens, por exemplo
Podem também ter nomes mais criativos, como Investigação Científica (ciências da natureza) ou Penso, logo existo (ciências humanas)
As matérias eletivas dariam, em tese, a chance de o aluno aprender de forma mais interessante

QUAIS SÃO OS ARGUMENTOS A FAVOR DO MODELO?

Poderia reduzir a evasão escolar, ao criar currículos mais interessantes para os jovens, conectados com a atualidade e com as necessidades de mercado
Também poderia criar vínculos que o currículo tradicional não permitia, com o maior engajamento de alunos e professores
É uma tentativa de superar um modelo de ensino que não se mostra eficiente há décadas: dos jovens que concluem o ensino médio no país, apenas 5% têm aprendizado adequado em matemática e 30% em língua portuguesa, de acordo com o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica)
Uma vez implantado, já consumiu muito esforço, tempo e dinheiro das redes de ensino e de escolas

QUAIS SÃO OS ARGUMENTOS CONTRA O MODELO?

Amplia a carga horária sem considerar auxílio a estudantes que precisam trabalhar, o que deve aumentar a evasão escolar
Ainda que pareça interessante e inovador, ele está desconectado da realidade das escolas brasileiras, mais de 80% delas públicas
As redes de ensino não têm estrutura nem professores suficientes para dar conta de novas matérias e para organizar uma ampla gama de possibilidades curriculares
Tira o tempo de disciplinas tradicionais ao mesmo tempo em que cria uma flexibilidade que pode reforçar as desigualdades na educação

QUAIS SÃO AS ALTERNATIVAS ESTUDADAS PARA AJUSTAR O MODELO SEM REVOGÁ-LO?

Reduzir o tempo dos itinerários formativos para 20% do currículo, justamente a parcela da ampliação. As 2.400 horas que já existiam no modelo anterior seguiriam com o mesmo currículo tradicional
Tornar optativo o itinerário que ficaria nesses 20%, o que diminuiria a pressão para estudantes que têm que trabalhar
Flexibilizar o modelo, para que cada rede se ajuste a sua realidade
Flexibilizar o prazo para a implementação, além da criação de mecanismos de bolsas a estudantes mais vulneráveis economicamente

COMO ESTÁ A DISCUSSÃO AGORA?

Pressionado por professores e estudantes, Lula planeja suspender provisoriamente a implementação do novo ensino médio com uma portaria nos próximos dias
A suspensão deve ter o prazo de 90 dias, tempo da duração de uma consulta pública sobre o tema, mas pode ser prorrogada
O documento também deve sustar a reforma do Enem, que seria moldado aos itinerários

QUAIS DEVEM SER OS EFEITOS DA SUSPENSÃO PARA ESCOLAS E ESTUDANTES?

Por ora, não deve haver alteração nas aulas para quem já adotou o modelo —a implantação foi total para o 1º ano em 2022
Porém a medida cria uma incerteza nas redes públicas e privadas sobre que caminho seguir, especialmente considerando a indefinição sobre o Enem

Comente

Comente

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.