Foto: O humorista Jô Soares em seu apartamento, em Higienópolis, São Paulo | Bruno Santos 27/03/2019/Folhapress
O humorista debochou de sua ignorância sobre vários assuntos, após argumentação em que explicou que o nazismo do “camelô do apocalipse” não foi de esquerda
O apresentador e humorista Jô Soares, que faleceu nesta sexta-feira (5/7), abusou do deboche à ignorância do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PL), em carta onde quase o chamou de burro, após longa argumentação em que ensinou que o nazismo do “camelô do apocalipse” não foi de esquerda.
A imagem da ‘Carta aberta ao Ilmo. Sr. Presidente Jair Bolsonaro – Devo confessar que também já fui alvo de chacota‘ viralizou nas redes sociais, em abril de 2019, assim que foi publicada no Jornal Folha de S. Paulo.
“Quando chegar a um prédio e o levarem para o elevador social, entre sem receio. Isso não fará do senhor um trotskista fanático“, escreveu o também escritor sobre a palavra em negrito relacionando-a com a doutrina marxista dos escritos do político e revolucionário ucraniano Leon Trótski. “Social climber’ não se refere a uma alpinista de esquerda“, disse em outro trecho.
Veja abaixo e leia a íntegra a seguir:

“Caro presidente Jair Bolsonaro. Entendo a reação provocada quando o senhor afirmou que o nazismo era de esquerda. Isso se deve ao fato de que, depois da Primeira Guerra Mundial, vários pequenos grupos se formaram, à direita e à esquerda. Um desses grupos foi o NSDAP: em alemão, sigla do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Entre seus fundadores originais havia dois irmãos: Otto e Gregor Strasser. Otto era um socialista convicto, queria orientar o movimento do partido à esquerda. Foi expulso e a cabeça posta a prêmio. Seu irmão Gregor preferiu unir-se ao grupo do Camelô do Apocalipse. Quanto a Otto, que não concordava com essa vertente, nem com as teorias racistas, teve sua cabeça posta a prêmio por Joseph Goebbels pela quantia de US$ 500 mil. Foi obrigado a fugir para o exílio, só conseguindo voltar à Alemanha anos depois do final da guerra. Hitler apressou-se em tirar o ‘social’ da sigla do partido.
Mais tarde, Gregor foi eliminado junto com Ernst Röhm, chefe das S.A., na famigerada ‘Noite das Facas Longas’. Devo lhe confessar que também já fui alvo de chacota, mas por um motivo totalmente diferente: só peço que não deboche muito de mim. Imagine o senhor que confundi o dinamarquês Søren Aabye Kierkegaard, filósofo, teólogo, poeta, crítico social e autor religioso, e amplamente considerado o primeiro filósofo existencialista, com o filósofo Ludwig Wittgenstein, que, como o senhor está farto de saber, foi um filósofo austríaco, naturalizado britânico e um dos principais autores da virada linguística na filosofia do século 20. Finalmente, um conselho: não se deixe influenciar por certas palavras. Seguem alguns exemplos:
1. Quando chegar a um prédio e o levarem para o elevador social, entre sem receio. Isso não fará do senhor um trotskista fanático;
2. A expressão ‘no pasarán!’, utilizada por Dolores Ibárruri Gómez, conhecida como ‘La Pasionaria’, não era uma convocação feminista para que as mulheres deixassem de passar as roupas dos seus maridos;
3. ‘Social climber’ não se refere a uma alpinista de esquerda;
4. Rosa Luxemburgo não era assim chamada porque só vendia rosas vermelhas;
5. Picasso: não usou o partido para divulgar seus gigantescos atributos físicos;
6. Quanto à palavra ‘social’, ela consta até no seu partido.
Finalmente, adoraria convidá-lo para assistir ao meu espetáculo. Foi quando surgiu um dilema impossível de resolver. Claro que eu o colocaria na plateia à direita. Assim, o senhor, à direita, me veria no palco à direita. Só que, do meu lugar no palco, eu seria obrigado a vê-lo sempre à esquerda. Espero que minha despretensiosa missiva lhe sirva de alguma utilidade. Convicto de ter feito o melhor possível, subscrevo-me.
Jô Soares
Influenciador Analógico”.
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