Após as matérias reveladas pelo The Intercept sobre os bastidores da operação Lava Jato, o Brasil parou em suspense à espera de novas revelações para ver quem mais está envolvido na fraude jurídica e eleitoral, a maior da História do país, em que desaguou a Lava Jato
Governantes, legisladores, juízes, procuradores, oposição, média, os mercados e a população; tudo se encontra em levitação, expectando descobrir quem aparece nos documentos a que o The Intercept teve acesso e a dimensão do sangramento político que isso vai provocar no grupo que golpeou a democracia brasileira.
The Intercept: uma golfada de ar fresco
Depois de quase seis meses de governo Bolsonaro, as atrocidades económicas, sociais, ambientais, políticas e culturais iam se desenvolvendo à velocidade normal de um projeto ultraliberal autoritário com recente aprovação eleitoral; deixando pouco espaço à oposição para além da resistência a tal ofensiva.
Até que na passada semana a equipa do The Intercept, liderada pelo renomado jornalista Glenn Greenwald, decidiu publicar um material que recebeu de fonte ainda anónima, sobre conversas tidas pelos integrantes da operação Lava Jato no aplicativo de troca de mensagens, telegramas, e outros intervenientes na vida pública brasileira.
Estas conversas têm como pivots o atual ministro da justiça Sérgio Moro (e ex juiz dos processo levantados na operação) e o coordenador da operação por parte do MPF (Ministério Público Federal), Deltan Dallagnol. Nelas se demonstram o claro conluio entre acusação e juízo, numa coreografia perfeitamente ensaiada entre MPF e o juiz.
O portal noticioso garante que o material recebido é colossal e maior em extensão que o recebido no caso Snowden, envolvendo para já em discurso direto o juiz e o MPF, mas também já são citados nas conversas tidas entre procuradores e juiz, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux, a rede Globo e os “americanos”, estes ainda sem maior definição quanto à participação no golpe que alterou o rumo da política brasileira.
The Intercept tornou-se assim o dono do tempo do Brasil, arriscando-se a escrever a História antes do tempo histórico. Fenómeno normal nos tempos dos registos virtuais mas inesperado pelos golpistas.
A oposição consegue assim um tempo extra que não estava no roteiro que permitirá maior e melhor reagrupamento de forças.
O elo mais forte também enferruja…
O governo Bolsonaro cativou muitos e diversos votos de protesto contra o PT, mas passado quase o primeiro semestre de governação é possível identificar três grandes alas de poder no governo: a ala fanatizada do próprio Jair Bolsonaro (seus filhos e o guru Olavo de Carvalho e seguidores), a ala militar e a ala da Lava Jato (encabeçada por Sérgio Moro e mais 18 pessoas que integram o Governo e que vêm da operação judicial). A última tem vindo a ser o fiel moral do governo desde o seu início, a garantia de que por piores que sejam as medidas do novo governo, nada chegaria à roubalheira do PT; A garantia de que o pior já tinha passado e que com a presença da Lava Jato no governo a corrupção seria combatida sem tréguas pelo sebastiânico Moro.
As taxas de aprovação em abril eram inequívocas, Bolsonaro caía acentuadamente para uma taxa de aprovação entre o Bom e o Ótimo de 39%, enquanto o justiceiro Moro tinha 59%; mostrando que a imagem adquirida através da Lava Jato era blindada: aos escândalos de corrupção que proliferam na estrutura miliciana do governo, à discussão da reforma da previdência (segurança social) e a todas as outras medidas antipopulares que este governo tem implantado ou tentado implantar. Coube assim ao Presidente convidar o seu ministro da Justiça para assistir a um jogo de futebol juntos para conservar apoios e tentar colar a sua imagem, cada vez mais descaradamente criminosa, à do até então inabalável Moro.
Tornava-se óbvio que para fragilizar o governo era necessário atacar o seu elo mais forte, a Lava Jato. Daí também a importância da campanha Lula Livre, que coloca o dedo na ferida no acontecimento mais palpável de todo o golpe de transição política: a prisão de Lula da Silva e a impossibilidade dele concorrer e, quase garantidamente, ganhar as eleições de 2018; abortando ou atrasando a agenda ultraliberal que se vem impondo com total consistência desde o golpe de 2016.
Mas o que agora é revelado nas matérias do The Intercept é demolidor para a Lava Jato, fazendo Moro cair na sua taxa de apoio de 59% para 49% em uma semana. Na mesma sondagem também é revelado que para a maioria dos brasileiros (69%) acha errado a relação privilegiada entre um juiz e uma das partes, mostrando assim que ainda há um desfasamento entre o grau de perceção da opinião pública sobre os crimes praticados na operação e a atribuição dos mesmos a Sérgio Moro. Algo que o tempo fará juntar com naturalidade.
Para mais, sabemos pelo próprio Greenwald que não adianta ao ministro da Justiça mentir, porque para cada mentira que levante dúvidas sobre o trabalho jornalístico do The Intercept, novas revelações serão feitas em desmentido de Moro. Também pelos próprios jornalistas sabemos que o material revelado é uma pequena parte das informações recolhidas, não devendo ultrapassar os 5% do total da informação o que foi divulgado até hoje, 16 de Junho, colocando Moro num hot spot político incompatível com noites bem dormidas.
Moro está ciente do problema e foi visto esta semana a assistir a mais um jogo de futebol com o presidente, desta vez para salvaguardar a sua própria imagem.
… mas não quebra a corrente
É natural que perante as conversas vindas agora a público, Sérgio Moro se desgaste ao ponto de ter de sair do governo. Teríamos assim um cenário realmente difícil de imaginar de até onde poderia ir a queda de Moro, afinal, ele é o responsável pela retirada do principal candidato do pleito de 2018. Levada às últimas consequências, uma investigação que apurasse a conduta de Moro e da Lava Jato teria que anular as eleições e convocar novo ato eleitoral.
Mas este cenário revela-se pouco verosímil por enquanto. Com o desdobramento das conversas reveladas pelo The Intercept, percebe-se a extensão do golpe, com quase inegável envolvimento do STF, dos grandes grupos de média e de agentes políticos. É um envolvimento extenso que clarifica todo o trajeto desde 2014 para alterar a governação política e económica do país.
Neste cenário de denúncia, por maiores contradições que as elites apresentem com o governo, será natural o Sistema se defender. E se o Sistema já é bruto, nada mais lhe restará a seguir ao trabalho jornalístico senão endurecer ainda mais para poder levar a cabo a agenda económica neoliberal. Será muito difícil entender que todo o caminho feito para retirar o PT da governação seja agora anulado pelo Sistema.
Ainda num quadro de desmoralização da ala Lavajatista e da própria queda de popularidade de Bolsonaro, sobrarão apenas os militares para executar a tarefa de implantar a política económica de empobrecimento geral da população para enriquecer mais os bancos e entregar as joias económicas do Brasil às multinacionais.
Recuperar a legalidade democrática no Brasil, soltando Lula, prendendo os agentes golpistas e devolver à população a oportunidade de escolher livremente um governo depende exclusivamente da esquerda ganhar maioria social, recuperando da maior derrota que sofreu em Outubro passado: a ideológica.
Enquanto não se recuperar a imagem e valor do Estado, funcionário público, trabalho, greve, cultura e os direitos individuais; pouco ou nada se alterará na aceitação popular do governo.
Lula, como mestre intérprete da vocação popular, nas suas primeiras declarações após a derrota eleitoral apresentou o caminho: é necessário devolver o sonho e a esperança ao povo brasileiro. Realmente a denúncia é fundamental, tão quanto a apresentação do sonho, da alternativa.
Para já, aguardemos Glenn e sua equipa, que são senhores do tempo e nós apenas escravos dele.
via Folha Diferenciada / Via Esquerda
Em Greenwald nós brasileiros confiamos!! Chega de falcatruas e impunidades deste governo golpista!