‘Feiticeira Rússia’ troca dólar por yuan e dribla sanções que afetam UE – futuro domínio dos EUA

Sem petróleo e gás de Putin, a Europa terá Biden negociando essas commodities de outros países, com sistemas de controle próprios, lucrando com empréstimos, vendas de equipamento e acesso pleno a toda a infraestrutura energética. “Um sonho empresarial americano

O jornalista investigativo independente Pepe Escobar afirma que as sanções de Washington destruirão a Europa, não a Rússia. Ao mesmo tempo, o portal de notícias russo, RT, informa que o país liderado por Vladimir Putin está sem dólar americano e euro, em decorrência do impulso ocidental para a aplicação de punições contra o país de língua cirílica, visando uma eventual reversão da ação calculada para desmilitarização e desnazificação da Ucrânia. Por isso, o banco estatal russo VTB, segundo maior do país, passou a permitir a abertura de contas de poupança em yuan chinês que rendem uma taxa de juros máxima de 8%.

O banco emitiu um comunicado argumentando sobre “o aumento das taxas de câmbio do dólar e do euro“. A nota diz que “muitos clientes estão demonstrando interesse em investir em outras moedas, e o yuan é uma das opções mais acessíveis e promissoras para investir fundos”. As contas podem ser abertas remotamente no VTB Online com um valor, em Yuan Renminbi, mínimo de ¥ 100, equivalentes a R$ 80,05 no Brasil, ou na moeda americana a US$ 15,77, ou em Euro a € 14,46, ou ainda em rublos, a moeda russa, equivalente a ₽ 20,29. Já nas agências do VTB, o depósito mínimo é de ¥ 500. O rendimento por ano correspondente a três meses de depósito é de 8% em dólares e 7% em euros.

Escobar afirma que “a dita “comunidade internacional” continua a encolher“, ao citar os países divulgados por Putin em uma “lista negra oficial” das “nações sancionadoras hostis“, que “inclui os EUA, a UE, o Canadá e, na Ásia, Japão, Coreia do Sul, Formosa e Singapura“. O jornalista acrescenta que “o Sul Global deveria estar consciente de que nenhuma nação da Ásia Ocidental, América Latina e África se juntou ao comboio das sanções de Washington“.

Desdolarização efetiva

Um decreto oficial russo, “sobre a ordem temporária das obrigações para com certos credores estrangeiros”, que permite às empresas russas liquidarem as suas dívidas em rublos, dá uma pista do que está para vir, diz Pepe Escobar referindo-se às contramedidas subsequentes ao decreto presidencial assinado no sábado (5/3), que o economista Yevgeny Yushchuk definiu como uma “mina terrestre de retaliação nuclear”. O jornalista diz que, o decreto pode fazer com que “a maior parte dos cerca de US$478  bilhões da dívida externa russa” desapareça “dos balanços dos bancos ocidentais. O equivalente em rublos será depositado algures, em bancos russos, mas os bancos ocidentais, tal como estão as coisas, podem não ter acesso a ele“.

“Segundo o texto de Escobar, “o Sberbank confirmou que irá emitir os cartões de débito/crédito Mir da Rússia em conjunto com o UnionPay da China. O Alfa-Bank – o maior banco privado da Rússia – também emitirá cartões de crédito e de débito UnionPay. Embora introduzido há apenas cinco anos, 40% dos russos já possuem um cartão Mir para uso interno. Agora poderão também utilizá-lo internacionalmente, através da enorme rede do UnionPay. E sem Visa e Mastercard, as comissões sobre todas as transações permanecerão na esfera Rússia-China. Desdolarização efetiva“, diz o jornalista.

EUA mendingam petróleo

A administração americana do Presidente Joe Biden está agora absolutamente desesperada: hoje proibiu todas as importações de petróleo e gás da Rússia, que por acaso é o segundo maior exportador de petróleo para os EUA, atrás do Canadá e à frente do México. A grande “estratégia de substituição” energética russa dos EUA consiste em mendigar petróleo ao Irã e à Venezuela“, países que tiveram “todas as pontes“, durante “anos – senão décadas“, sendo queimadas pelos americanos. “Os EUA destruíram o Iraque e a Líbia, e isolaram a Venezuela e o Irã, na sua tentativa de tomar os mercados petrolíferos globais – só para acabar miseravelmente por tentar comprar a ambos e escapar a ser esmagado pelas forças econômicas que desencadeou. Isto prova, mais uma vez, que os “decisores políticos” imperiais são absolutamente ignorantes“.

Caracas irá exigir a eliminação de todas as sanções contra a Venezuela e a devolução de todo o seu ouro confiscado. E parece que nada disto foi esclarecido com o ‘Presidente’ Juan Guaidó, o qual desde 2019 era o único líder venezuelano “reconhecido” por Washington“, escreve Pepe Escobar.

O sonho empresarial americano x crise da Europa

Os mercados de petróleo e gás estão em pânico total. Nenhum trader ocidental quer comprar gás russo; e isso nada tem a ver com a empresa estatal russa de energia Gazprom, a qual continua a abastecer devidamente os clientes que assinaram contratos com tarifas fixas, de US$100 a US$300 (outros estão a pagar mais de US$3.000 no mercado spot)“, diz o jornalista.

Os bancos europeus estão cada vez menos dispostos a conceder empréstimos para o comércio de energia com a Rússia devido à histeria das sanções. Uma forte pista de que o gasoduto Rússia-Alemanha Nord Stream 2 pode estar literalmente enterrado é que o importador Wintershall-Dea anulou a sua parte do financiamento, assumindo de facto que o gasoduto não será lançado”.

Todos os que têm cérebro na Alemanha sabem que dois portos metaneiros extra para a recepção de gás natural liquefeito (GNL) – ainda por construir – não serão suficientes para as necessidades de Berlim. Simplesmente não há GNL suficiente para os abastecer. A Europa terá de lutar com a Ásia sobre quem pode pagar mais”, escreve o jornalista, enfatizando em seguida que “a Ásia vence”.

“A Europa importa cerca de 400 mil milhões de metros cúbicos de gás por ano, sendo a Rússia responsável por 200 mil milhões. É impossível a Europa encontrar 200 mil milhões de dólares em qualquer outro lugar para substituir a Rússia – seja na Argélia, no Qatar ou no Turquemenistão. Para não mencionar a sua escassez dos portos metaneiros necessários. Assim, obviamente, o principal beneficiário de toda esta confusão serão os EUA – que poderão impor não só os seus terminais e sistemas de controlo, mas também lucrar com empréstimos à UE, vendas de equipamento, e acesso pleno a toda a infraestrutura energética da UE. Todas as instalações de GNL, tubagens e armazéns serão ligados a uma única rede com uma única sala de controlo: um sonho empresarial americano”, diz Pepe Escobar.

A Feiticeira Rússia

A Europa será deixada com uma produção de gás reduzida para a sua – em declínio – indústria; perdas de emprego; diminuição dos padrões de qualidade de vida; aumento da pressão sobre o sistema de segurança social; e, por último, mas não menos importante, a necessidade de solicitar empréstimos extra-americanos. Algumas nações voltarão ao carvão para aquecimento. O Desfile Verde será lívido, diz o jornalista. “E quanto à Rússia? Como hipótese, mesmo que todas as suas exportações de energia fossem reduzidas – e não o serão, os seus principais clientes estão na Ásia – a Rússia não teria de utilizar as suas reservas estrangeiras”.

“O ataque russofóbico total às exportações russas também visa metais como o paládio – vital para a electrónica, desde computadores portáteis a sistemas aeronáuticos. Os preços estão a disparar. A Rússia controla 50% do mercado global. Depois há os gases nobres – néon, hélio, árgon, xenon – essenciais para a produção de microchips. O titânio subiu um quarto e tanto a Boeing – em um terço – como a Airbus – em dois terços – dependem do titânio da Rússia. Petróleo, alimentos, fertilizantes, metais estratégicos, gás néon para semicondutores: tudo a arder aos pés da Feiticeira Rússia.

EUA destroem Alemanha e UE com suas conivências

Pepe Escobar prossegue:“Alguns ocidentais que ainda apreciam a realpolitik bismarckiana começaram a interrogar-se se a blindagem da energia (no caso da Europa) e os fluxos de mercadorias selecionadas das sanções não terá tudo a ver com a proteção de uma imensa extorsão: o sistema de commodities derivativas. Afinal, se isso implodir, devido a uma escassez de mercadorias, todo o sistema financeiro ocidental explode. Isto é que é um verdadeiro fracasso do sistema. A questão chave para o Sul Global digerir é que o “ocidente” não está a cometer suicídio. O que temos aqui, essencialmente, são os Estados Unidos a destruírem deliberadamente a indústria alemã e a economia europeia – bizarramente, com a sua conivência”.

Destruir a economia europeia significa não permitir espaço extra de mercado para a China, e bloquear o inevitável comércio extra que será uma consequência direta de trocas mais estreitas entre a UE e a Parceria Económica Global Regional (Regional Comprehensive Economic Partnership, RCEP), o maior acordo comercial do mundo. O resultado final será os EUA a comerem as poupanças europeias ao almoço enquanto a China expande a sua classe média para mais de 500 milhões de pessoas. A Rússia vai sair-se muito bem, tal como esboça Glazyev: soberana – e autossuficiente“, escreve o jornalista.

Missão Cumprida

O economista americano Michael Hudson esboçou de forma concisa os lineamentos da auto implosão imperial“, cita Escobar. “Mas muito mais dramático, como catástrofe estratégica, é como os surdos, mudos e cegos desfilam em direção a uma recessão profunda e a uma quase hiperinflação, que irá dilacerar o que resta da coesão social do Ocidente“.

Missão Cumprida“, pontua Pepe Escobar em seu artigo postado originalmente no The Cradle.

Comente

Comente

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.