Uma das ações que podem levar à cassação de Moro o acusa de abuso de poder econômico

Senador Sergio Moro (União Brasil-PR) | Imagem de Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo | Ao fundo, Sede do TSE, em Brasília (DF); tribunal atualmente é presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF – TSE/Divulgação | Sobreposição de imagens

Também há a suspeita de caixa 2 na campanha do ex-juiz, em 2022, ao Senado Federal – ENTENDA



Após a cassação do mandato de deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) na semana passada, o mundo político de Brasília passou a olhar atentamente para a situação na Justiça Eleitoral do ex-juiz e senador Sergio Moro (União Brasil-PR), seu aliado na “bancada da Lava Jato” do Congresso.

Os dois ex-parceiros, que atuaram em conjunto na operação que sacudiu o mundo político entre 2014 e 2018, conquistaram mandatos em 2022, revertendo uma série de insucessos pessoais após o declínio da Lava Jato, derrotas na Justiça e uma tumultuada relação com o grupo político de Jair Bolsonaro.

Dallagnol foi o deputado federal mais votado do Paraná nas últimas eleições, conseguindo 344 mil votos. Já Moro, que ainda acumulava uma mal-sucedida pré-campanha à Presidência e um imbróglio envolvendo seu domicílio eleitoral, acabou sendo eleito senador pelo mesmo Estado, com 33,5% dos votos.

Dallagnol, no entanto, pouco usufruiu do seu sucesso eleitoral. No dia 16 maio, ele teve sua cassação votada por unanimidade pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com base na Lei da Ficha Limpa e acusações de irregularidades no processo de saída do ex-procurador do Ministério Público Federal.

Após a sua cassação, Dallagnol chegou a advertir que seu ex-parceiro de Lava Jato pode ser o “próximo”, mas atribuiu os problemas da dupla ao que chamou de “forte pressão por parte do sistema corrupto”, e não a problemas envolvendo as candidaturas.

Duas ações contra Moro
No momento, Moro enfrenta pelo menos duas ações na Justiça Eleitoral que pedem a cassação do seu mandato. Elas têm teor semelhante e envolvem acusações de abuso de poder econômico e suspeita de “caixa 2” em sua campanha ao Senado.

Uma delas é movida pela federação partidária formada pelo PT, PV e PC do B.

A outra chama mais a atenção por ser de autoria do PL, o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. Na última campanha, Moro voltou a se aliar com o político de extrema direita após sua saída estrondosa do cargo de ministro da Justiça em 2020, chegando até mesmo a assessorar Bolsonaro em debates televisivos contra o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi o principal alvo da Lava Jato.

Apesar da afinidade ideológica entre Moro e os bolsonaristas do PL, o diretório paranaense da sigla tem interesse na ação, já que uma eventual cassação do ex-juiz poderia beneficiar diretamente o segundo colocado na disputa paranaense ao Senado em 2022, o bolsonarista Paulo Martins (PL-PR), que recebeu 29,1% dos votos.

Na ação, revelada inicialmente em dezembro, o PL pede que Martins assuma interinamente até uma eleição suplementar. Segundo jornais brasileiros, a ação do PL conta ainda com aval do presidente nacional da sigla, Valdemar Costa Neto.

Moro negou em diversas ocasiões qualquer irregularidade na sua campanha. À época do anúncio da ação do PL, ele disse que seus adversários queriam virar o resultado no “tapetão”. “Maus perdedores que resolveram trabalhar para o PT e para os corruptos”, disse em dezembro.

Pré-campanha presidencial e abuso de poder econômico
A principal frente de argumentação do pedido do PL para cassar Moro envolve gastos com a malfadada pré-campanha do ex-juiz à Presidência da República pelo Podemos, lançada em novembro de 2021 e que acabou sendo abandonada em março seguinte, quando Moro se filiou ao União Brasil e passou a se contentar em disputar o Senado.

Segundo a ação do PL, a prestação final de contas da campanha de Moro ao Senado pelo Paraná é irregular por não ter incluído os gastos que o Podemos teve com sua pré-campanha à Presidência. Estimativas apontam que o ex-partido de Moro gastou entre novembro de 2021 e março de 2022 pelo menos R$ 2 milhões com o ex-juiz. Os valores foram direcionados para pesquisas, segurança, viagens e um salário mensal.

Pelas regras do TSE, os gastos para uma campanha ao Senado no Paraná são limitados a R$ 4,4 milhões. Já o PL argumenta que, se os valores da pré-campanha pelo Podemos fossem incluídos, os valores efetivamente gastos podem ter ultrapassado a marca de R$ 6,5 milhões.

Segundo o PL, a exposição e os gastos que Moro usufruiu na sua temporada no Podemos antes de se lançar como candidato ao Senado no Paraná pelo União Brasil prejudicaram o equilíbrio da campanha estadual e a igualdade de condições entre os concorrentes na eleição de 2022. Ainda de acordo com o PL, foram realizados “gastos desmedidos e ocultados, completamente incompatíveis com o que seria capaz de suportar um candidato médio”.

“O conjunto das ações dos investigados [Moro e seus suplentes] é orquestrado de forma a usufruir de estrutura e exposição de pré-campanha presidencial para, num segundo momento, migrar para uma disputa de menor visibilidade, menor circunscrição e teto de gastos 20 vezes menor (a disputa pelo Senado), carregando consigo todas as vantagens e benefícios acumulados indevidamente. O estratagema culminou no colapso irremediável da igualdade de condições entre os concorrentes ao cargo de senador no Estado do Paraná”, diz o PL em sua ação.

Acusação de Caixa 2
A segunda frente das ações que pedem a cassação de Moro envolve acusações de “Caixa 2” e o papel do advogado Luís Felipe Cunha, atualmente o primeiro-suplente do senador. De acordo com a ação do PL, a contratação de empresas ligadas a Cunha por Moro, tanto na fase de pré-campanha à Presidência ainda na época de filiação ao Podemos quanto na fase de disputa ao Senado pelo União Brasil, tem indícios de uso de recursos públicos para fins pessoais e de formação de “Caixa 2”.

A ação do PL cita especificamente a contratação da Bella Ciao Consultoria, ligada a Cunha, que foi contratada em dezembro de 2021 pelo Podemos para elaborar o plano de governo do então pré-candidato à Presidência Moro, pelo valor de R$ 360 mil – a serem pagos em parcelas de R$ 30 mil. O contrato foi encerrado em março de 2022, quando Moro seguiu para o União Brasil. Ainda de acordo com a ação do PL, Cunha fez alterações na natureza da sua empresa na Junta Comercial do Paraná para se adequar às condições de contratação.

Já no União Brasil, Moro voltou a contar com os serviços de outra empresa de Cunha, a Vosgerau e Cunha Advogados Associados, que passou a prestar assessoria jurídica por R$ 1 milhão (divididos em quatro parcelas), que foram pagos pelo novo partido, quando o ex-juiz ainda tentava se lançar ao Senado por São Paulo.

Segundo a ação do PL, as contratações e movimentações financeiras “entre partido, suplente e empresas relacionadas impelem irrefreavelmente na direção de fundada suspeita de ‘caixa 2′”. Em 2022, o Podemos, partido presidido por Renata Abreu, chegou a divulgar uma mensagem acusando Cunha de ser um “laranja” e “sócio oculto” de Moro. O ex-juiz respondeu afirmando que as acusações eram “caluniosas” e “difamatórias” e que pretendia tomar medidas judiciais contra os dirigentes do seu ex-partido.

Já em resposta às acusações feitas na ação do PL, Moro declarou em janeiro que “não houve aplicação ilegal de recursos, tampouco caixa 2, triangulação ou gastos além do limite, como sugerem provar apenas com matérias de blogs e notícias plantadas”.

“A ilustrar o absurdo da ação encontra-se a afirmação fantasiosa de que a pré-candidatura presidencial teria beneficiado minha candidatura ao Senado quando foi exatamente o oposto, tendo o abandono da corrida presidencial gerado não só considerável e óbvio desgaste político, mas também impacto emocional. Tentam nos medir com a régua deles. Mas nossa retidão moral é inabalável e inquestionável, como será novamente demonstrado”, disse à época, em nota.

Precedente? O caso da “Moro de saias”
Em sua ação, o PL ainda mencionou o caso da ex-juíza Selma Arruda, que foi eleita para representar Mato Grosso no Senado em 2018.

Arruda havia ganhado a eleição meses depois de deixar a magistratura e graças à publicidade que recebeu pela sua atuação em casos de suspeita de corrupção envolvendo altos membros do establishment político do estado, como o ex-governador Silval Barbosa e o ex-deputado José Geraldo Riva. À época, ela foi apelidada de “Moro de saias” pela imprensa e se candidatou com o nome “Juíza Selma”.

Mas Arruda permaneceu cerca de 15 meses no Senado após ser alvo de duas ações na Justiça Eleitoral apresentadas por dois concorrentes derrotados na disputa. Em abril de 2019, teve seu mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT). Em dezembro do mesmo ano, a decisão foi confirmada pelo TSE. Ela acabou deixando a vaga em abril de 2020.

Em suas decisões, os tribunais entenderam que Arruda cometeu “Caixa 2” e abuso de poder econômico. O caso envolveu um empréstimo de um de seus suplentes, no valor de R$ 1,2 milhão que não foi informado à Justiça Eleitoral. A acusação apontou que ela usou o dinheiro para pagar despesas com pesquisas e marketing antes do início formal da campanha eleitoral. De acordo com a avaliação da Justiça, isso permitiu que Arruda gastasse mais que seus concorrentes.

A ex-juíza negou irregularidades em seus gastos e à época do seu afastamento do Senado disse, em nota, “que vontades políticas com evidentes intenções obscuras prevaleceram no seu julgamento”.

Com a decisão, a cadeira no Senado foi assumida por Carlos Fávaro (PSD), que havia ficado em terceiro lugar no pleito de 2018, com 15,8% dos votos (duas vagas estavam em disputa naquele ano). Em novembro de 2020, paralelamente ao pleito municipal, foi realizada uma eleição suplementar ao Senado em Mato Grosso, que terminou com Fávaro na primeira posição, com 25,97% dos votos, e permitindo que ele assumisse a cadeira de forma definitiva. Com Fávaro assumindo o Ministério da Agricultura do governo Lula a partir de 2023, hoje a vaga é ocupada pela suplente Margareth Buzetti (PSD). Aapós a cassação, Arruda ficou inelegível até 2026.

Possíveis consequências
Em sua ação, o PL pede que a vaga de senador de Moro seja assumida por Paulo Martins, o segundo colocado no pleito de 2022. Se eventualmente Moro acabar cassado e o exemplo do caso da ex-juíza e ex-senadora Selma Arruda for usado pela Justiça Eleitoral, a vaga do ex-juiz paranaense também poderá ser colocada em disputa em uma eleição suplementar.

A possibilidade ocorre porque em março de 2018 o STF decidiu que novas eleições podem ser convocadas em caso de um prefeito, senador, governador ou presidente ter o mandato cassado pelo TSE, mesmo que ainda existam recursos pendentes em instâncias superiores.

Diante dessa possibilidade, alguns políticos paranaenses, como o deputado estadual Requião Filho (PT), já manifestaram interesse em disputar uma eventual eleição suplementar.

Moro ainda poderia correr o risco de ter que ressarcir a Justiça Eleitoral pelos custos de uma eleição suplementar. Em 2012, o TSE e a Advocacia-Geral da União (AGU) firmaram um convênio para a recuperação judicial de recursos gastos pelo erário com eleições suplementares. Ou seja, a AGU ganhou o poder de ingressar com ações para cobrar de políticos os custos das eleições suplementares que tiveram que ser convocadas por causa das cassações por práticas de abuso de poder econômico, político ou compra de votos. Em 2018, o convênio foi reforçado mais uma vez.

No primeiro semestre de 2013, a AGU conduziu mais de 90 ações com essa finalidade para tentar reaver R$ 2,7 milhões de prefeitos cassados. No caso de Selma Arruda, os custos da eleição suplementar para o Senado foram inicialmente estimados em R$ 9 milhões. À época, figuras como o senador Renan Calheiros (MDB-AL) defenderam que Arruda pagasse os custos.

O pleito deveria ter sido realizado em abril de 2020, mas acabou sendo adiado pela Justiça Eleitoral por causa da pandemia de covid-19. No final, a nova rodada de escolha para o Senado acabou coincidindo com o primeiro turno das eleições municipais de 2020, o que acabou diluindo o valor gasto.

As duas ações contra Moro ainda não têm previsão de julgamento. Ambas correm em sigilo e estão na fase de instrução (quando são colhidos provas e depoimentos).

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