The Intercept: ‘Começou a temporada de matar políticos na Baixada Fluminense’, destaca a mídia de Glenn – antes das urnas, canditados disputam na bala a chance de uma vida fácil manipulando verbas públicas


Gabrielli Thomaz, Carlos Nhanga, e Mayara Mangifeste endossam matéria no The Intercept Brasil, desta quarta-feira (05), sobre a triste realidade da violência na Baixada Fluminense durante campanhas eleitorais onde candidatos correm o risco de serem vítimas de disputas à bala, antes de disputar nas urnas. Leia a transcrição a seguir:


todos os créditos para o The Intercept Brasil


O ano eleitoral de 2016 começou com um assassinato. No dia 13 de janeiro daquele ano, o vereador de Magé Geraldo Cardoso Gerpe, do PSB, conhecido como Geraldão, foi morto a tiros no estacionamento da Câmara Municipal da cidade.

Geraldão estava no caminho entre o estacionamento e o gabinete quando foi atacado e atingido por dois tiros; na cabeça e no ombro.

Era uma amostra do que estaria por vir nos meses seguintes.

Só naquele ano os moradores da Baixada assistiriam ao assassinato de nove políticos.

A violência foi tão grande que o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral Gilmar Mendes chegou a ir à Duque de Caxias e confirmou a presença das Forças Armadas para reforçar a segurança da região.

Quando a eleição municipal passou, os assassinatos deram uma “trégua”: em 2017, um político baleado e morto.

Em 2018, ano em que o país se comoveu com a morte violenta da vereadora Marielle Franco, outros três políticos foram assassinados na região metropolitana do Rio.

Em 2019, no entanto, o número de atentados violentos a políticos voltou a explodir: 10 foram baleados na região e sete deles morreram – oito dos casos ocorreram na Baixada, totalizando cinco mortes, segundo levantamento da plataforma Fogo Cruzado.Assine nossa newsletterConteúdo exclusivo. Direto na sua caixa de entrada.Eu topo

Ao todo, desde o ano eleitoral de 2016, 24 políticos foram baleados na região metropolitana do Rio, que inclui a Baixada e cidades próximas à capital, como Niterói, São Gonçalo e Maricá: 21 deles morreram.

Dos 21 assassinatos, 18 foram na Baixada. De diversos partidos – da Rede ao Avante – eles são candidatos, ex-candidatos, políticos com cargos de confiança e assessores.

Os números mostram que o assassinato de Marielle, maior crime político da história recente do país, não é um caso isolado. Pelo contrário: na Baixada Fluminense, um território onde vivem mais de três milhões de pessoas e é cercado por tráfico, milícias e grupos de extermínio, resolver diferenças políticas e disputar territórios na bala é banal.

Votos e milícias

As investigações da Divisão de Homicídios da Polícia Civil, com alguns casos ainda em andamento, apontaram para diferentes motivos nas mortes de políticos entre 2016 e 2019.

Em três dos 21 assassinatos, foi comprovada a motivação política: foram os casos do vereador Geraldão; do suplente de vereador Paulinho P9, também morto em Magé, em março de 2018; e do Miguelzinho de Seropédica, ex-candidato à prefeitura do município, em novembro de 2018. Em outros casos, a forte ligação com a milícia foi a principal razão dos assassinatos.

Em maio de 2018, os milicianos Guilherme de Souza Barbosa, Pedro Paulo da Silva Figueiredo e Nilton Alves Soares da Silva foram presos apontados como assassinos do ex-vereador de Duque de Caxias Alexsandro Antônio, conhecido como Sandro Gordo, morto em janeiro de 2017 em Xerém, na Baixada Fluminense.

Quase um ano e meio depois, a milícia também foi apontada como responsável pelas mortes de Robson Giorno, pré-candidato à prefeitura de Maricá pelo Avante, e do vereador do município Ismael Breve de Marins, do DEM, que foi morto em casa com seu filho, Thiago Marins.

O assassinato do vereador de Japeri Wendel Coelho, do PTdoB, também resultou na prisão de um envolvido e na morte de outro.

Os criminosos confundiram o veículo que Wendel dirigia com um da polícia.

Além dos assassinatos de Geraldão e Paulinho P9 em Magé, outro caso na região terminou com um envolvido preso: foi a morte do ex-vereador Darci Gomes dos Santos Filho. Marcos Felipe da Silva Areias, conhecido como “XU”, foi preso em Duque de Caxias, acusado de assassinar o político por uma disputa pelo domínio de jogos de azar.


O vereador Ismael Breve de Marins, do DEM, e seu filho, Thiago de Marins, foram mortos a tiros em agosto de 2019, dentro de casa, em Maricá.

O vereador Ismael Breve de Marins, do DEM, e seu filho, Thiago de Marins, foram mortos a tiros em agosto de 2019, dentro de casa, em Maricá. Foto: Reprodução


Em 2020 nenhum político está imune, e há quem aposte que, diante do contexto político atual, este ano bata novos recordes de violência política.

Para José Cláudio Souza, autor do livro “Dos Barões ao Extermínio: uma história de violência na Baixada Fluminense”, as mudanças no governo federal, com a eleição de Bolsonaro, o avanço da extrema direita e o discurso da execução sumária como solução para a violência abrem espaços para a expansão da atuação de grupos de extermínio.

“Esses grupos já atuam há mais de cinco décadas, mas agora essa extrema direita tem figuras no campo políticos associadas à milícias, famílias de milicianos empregados em gabinetes etc.

A tendência é a expansão desses grupos”, diz Souza.

No dia 15 de fevereiro do ano passado, por exemplo, o carro que transportava o prefeito de Belford Roxo, Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho, e sua esposa, a deputada federal Daniela do Waguinho, ambos do MDB, foi atingido por um tiro de fuzil.

O casal não se feriu.

Oito meses depois, Waguinho voltou a ser alvo de tiros quando visitava as obras da prefeitura no bairro de Heliópolis. Escapou novamente.

No início de dezembro, outro político proeminente da cidade foi vítima de um atentado parecido: Júnior Cruz, presidente do PSL do município e pré-candidato à prefeitura, foi alvo de tiros quando passava de carro pela Avenida Brasil, na altura de Barros Filho, na zona norte do Rio. Sobreviveu.

Menos tiroteios, mais mortes

Apesar de concentrar grandes municípios – que, juntos, somam 31% de toda população da região metropolitana do Rio, de acordo com o último Censo em 2010 –, a Baixada Fluminense apresentou menos tiroteios em 2019 do que a capital.

O número de mortos, no entanto, foi semelhante: 569 no Rio e 494 na Baixada, o que indica que lá, quando se atira, se atira para matar, como mostram dados da plataforma Fogo Cruzado.

Cerca de 33% dos baleados na Baixada foram vítimas de homicídios ou tentativas e execuções – caracterizada por múltiplos disparos na direção da vítima, com a intenção de matar.

Prevalece ali uma uma dinâmica de violência com grupos de extermínio, sem nenhuma preocupação com leis.

Na política não é diferente.


Foto: Reprodução


Os políticos da região usam grupos de extermínio e braços armados das milícias locais para manter o controle sobre a área.

“Há o envolvimento de comerciantes de algumas regiões que financiam campanhas de determinados políticos, com influência da milícia, a fim de fortalecer o comércio da sua área, impedindo a entrada de políticos de outras”, nos disse José Cláudio Souza.

“Há um controle político e econômico sob essas áreas.”

Essa violência política na região, segundo o pesquisador, acontece pelo menos desde a década de 1930.

Foi no final dos anos 1960, com a aparição dos primeiros grupos de extermínio, e com o fortalecimento deles no campo político nos anos 1990, no entanto, que o cenário começou a virar território miliciano cercado por grupos de extermínio que conhecemos hoje.

No município de Queimados, por exemplo, o vereador e ex-secretário de Defesa Civil Davi Brasil Caetano, do Avante, chegou a ser preso em julho acusado de liderar uma milícia conhecida como “Caçadores de Ganso”, responsável por execuções no município.

Para o pesquisador, há uma lógica política adotada por grupos que ocupam esses locais e determinam quem entra e quem sai, quem vive e quem morre, quem é eleito ou não.

“O estado acaba se tornando conivente com isso quando enxerga que o processo eleitoral foi criminalizado, a partir da influência de grupos de extermínio que controlam regiões, e não faz nada contra isso.

Não dá pra dizer que é um processo democrático. É uma política criminal.”

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