Religião e Terrorismo

 ENTENDA O QUE ESTÁ ACONTECENDO NO MUNDO?

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Minoria deslocada da seita Yazidi foge da violência das forças do estado islâmico na região em torno das montanhas de Sinjar, Iraque (Foto: Reuters)
Minoria deslocada da seita Yazidi foge da violência das forças do estado islâmico na região em torno das montanhas de Sinjar, Iraque (Foto: Reuters)

Os principais conflitos do final do século XX e do início do novo milênio têm um fundo religioso. Tornou-se claro em Paris, com o assassinato dos cartunistas e outros por fundamentalistas islâmicos. Como a religião entra nessa?

Não sem razão, Samuel P. Huntington escreveu em seu famoso livro O Choque de Civilizações: “No mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a força central que motiva e mobiliza as pessoas … o que em última análise representa pessoas não é uma ideologia política ou de interesse econômico, mas as pessoas se identificam com crenças religiosas, familiares e credos. Por estas coisas, lutam e estão dispostas a dar sua vida.” (1997, p.79). Uma clara crítica à política externa dos EUA por nunca ter dado a devida importância ao fator religioso, considerado algo passado e superado. Grande erro. Religiosidade é o substrato dos mais graves conflitos que estamos vivendo. Gostemos ou não, apesar do processo de secularização e da ocultação do sagrado, grande parte da humanidade é guiada por religiosos, judeus, cristãos, muçulmanos, xintoístas, budistas e outras muitas.

Isso já foi dito por Christopher Dawson, o grande historiador Inglês de culturas: “… as grandes religiões são os alicerces sobre os quais repousam as civilizações.” (Dynamics of World History, 1957, p.128). As religiões são o point d’honneur de uma cultura, porque através do projeto de seus grandes sonhos, desenvolvem-se as suas opiniões éticas, conferem-se um sentido à história e tem-se sempre uma palavra a dizer sobre os objetivos finais da vida e do universo. A cultura moderna não produziu nenhuma religião. Um substituto idólatra foi adotado pela população, como o progresso sem fim, o consumo ilimitado, a acumulação sem limites e outros. O resultado foi denunciado por Nietzsche quando proclamou a morte de Deus. Não que Ele tenha morrido. Mas ele quis dizer que Deus não era mais referência para os valores fundamentais que dão uma maior coesão entre os homens. Os efeitos disso vêm em uma escala dimensional a nível planetário: a humanidade sem rumo, a solidão excruciante e a sensação de falta de raízes sem que saibamos onde a história nos levará.

Se quisermos a paz neste mundo, precisamos recuperar o sentido do sagrado, a dimensão espiritual da vida que se destaca nas origens das religiões. Na verdade, mais importante do que a religião é a espiritualidade que se apresenta como a dimensão humana mais aprofundada. Mas a esta se manifesta mesmo sob a forma de religiões cujo significado é nutrir, sustentar e permear a vida com espiritualidade. Mas nem sempre isso é executado pois quase todas as religiões são institucionalizadas tendo entrado em algum jogo do poder e hierarquias, o que pode gerar formas patológicas. Tudo o que é saudável pode ficar doente. Mas exatamente medimos as religiões e as pessoas com tudo o que é saudável, e não pelo que é patológico. E aí vemos que se desempenham um papel insubstituível: a tentativa de dar um sentido último à vida e oferecer uma imagem de esperança à história.

Acontece que hoje o fundamentalismo e o terrorismo, que são patologias religiosas, se tornaram importantes. Em grande parte, devido ao processo devastador da globalização (na verdade é a ocidentalização do mundo) que passa sobre as diferenças, destrói identidades e impõe-lhes hábitos estranhos. Normalmente, quando isso acontece, as pessoas se apegam a essas entidades que passam a ser os guardiões de suas identidades. As religiões mantêm as suas memórias e as concentram em símbolos. Por exemplo, no Iraque e no Afeganistão milhares de vítimas se sentem invadidas e se refugiam na religião como uma forma de resistência. Portanto, a questão não é religiosa. É a política antes de usar a religião para se defender. A invasão gera raiva e desejo de vingança. O fundamentalismo e do terrorismo encontram, nesse complexo de questões, seu nicho de origem. Daí os ataques de terror.

Como superar este impasse civilizatório? É essencial vivermos a ética da hospitalidade, colocarmo-nos à disposição do diálogo e aprender com o diferente ativando nossa tolerância e sendo mais humanos. As religiões precisam reconhecer que há outras religiões também. Precisam dialogar e buscar uma convergência mínima que lhes permita viver juntas e em paz. Antes de tudo, é importante reconhecer o pluralismo religioso, de fato e de direito. A pluralidade é derivada de uma compreensão correta de Deus. Nenhuma religião pode querer abranger o Mistério, a Fonte Original de todo ser ou qualquer outro nome que se queira dar à Suprema Realidade nas malhas de seus discursos e rituais. Se fosse assim, Deus seria apenas um pedaço do mundo, apenas um ídolo. Ele está sempre lá e sempre acima. Assim, haverá espaço para outras expressões e outras formas de celebrar que não seja exclusivamente através de uma religião determinada.

Os primeiros onze capítulos do Gênesis contêm uma grande lição. Eles não falam de Israel como o povo escolhido. Se faz referência a todos os povos da Terra como o grande povo de Deus. Sobre eles, se eleva o arco-íris da aliança divina. Esta mensagem nos lembra, sobretudo hoje em dia, que todos os povos, com suas religiões e tradições, são povos de Deus, todos vivem na Terra, jardim de Deus e formam a única Espécie HUmana composta de muitas famílias com sias tradições, culturas e religiões.

(*) Leonardo Boff é Teólogo.

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