O presidente Jair Bolsonaro com o ministro Paulo Guedes, em foto de Evaristo Sá/22-Outubro-2021/AFP | Fotomontagem Urbs Magna | A política de desoneração da folha de pagamentos gera uma renúncia de receitas de cerca de R$ 9 bilhões ao ano
PROGRESSISTAS POR UM BRASIL SOBERANO
O presidente Jair Bolsonaro sancionou nesta sexta-feira (31) o projeto que prorroga a desoneração da folha de pagamento até o fim de 2023 para 17 setores que mais empregam no país, com cerca de seis milhões de empregos
A lei que prorroga a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia até o fim de 2023 foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta sexta-feira (31) sem a previsão de medida que compense a perda de receita no Orçamento.
A desoneração da folha de pagamento consiste na substituição da contribuição previdenciária da empresa sobre a folha de pagamento – no valor de 20% da mesma – pela incidência sobre o faturamento da mesma, com alíquotas de 2 a 4%, dependendo do setor.
A desoneração foi estabelecida em 2011 a partir da lei nº 12.546/2011, como parte do projeto Plano Brasil Maior e com o objetivo de aumentar a oferta de emprego à medida em que reduz os gastos das empresas com contratações.
Em empresas de TI brasileiras, um dos setores beneficiados pela lei, com uma alíquota de 2,5%, a folha de pagamentos representa cerca de 60% das despesas, de acordo com o IBGE. Em empresas cujo custo da folha seja inferior a 15%, a desoneração seria desvantajosa, segundo Ian Campos Martins, presidente da Assespro-MG.
Essas desonerações do Plano Brasil Maior fizeram parte da nova matriz econômica do governo Dilma Rousseff. Elas foram apontadas como uma das causas da crise econômica brasileira de 2014. A própria presidente afirmou diversas vezes que seu maior erro foi ter feito as desonerações.
Em 2018, através da lei 13.670/2018, a desoneração, que abrangia então 56 setores, passou a abranger apenas 17, sendo que em 2020 o incentivo seria completamente extinto.
Segundo o Palácio do Planalto, uma orientação do TCU (Tribunal de Contas da União) viabilizou que a desoneração fosse estendida sem a necessidade de uma compensação.
De acordo com matéria na Folha de S. Paulo, neste sábado (01/01), a desoneração representa uma diminuição no custo de contratação de mão de obra. Por outro lado, significa menos dinheiro nos cofres públicos.
Atualmente, a medida beneficia companhias de call center, o ramo da informática, com desenvolvimento de sistemas, processamento de dados e criação de jogos eletrônicos, além de empresas de comunicação, companhias que atuam no transporte rodoviário coletivo de passageiros e empresas de construção civil e de obras de infraestrutura.
O fim da desoneração estava previsto para esta sexta (31), mas o benefício foi prorrogado após sanção —sem vetos– de projeto de iniciativa do Congresso.
“O projeto sancionado tem capacidade de oferecer estímulos aos setores beneficiados à necessária retomada da economia, principalmente, em face da diminuição de encargos fiscais a cargo dos empregadores“, afirmou, em nota, a Secretaria-Geral da Presidência da República.
A política gera uma renúncia de receitas de cerca de R$ 9 bilhões ao ano.
O governo discutiu nos últimos dias como compensar a desoneração da folha. Mas, ao sancionar o projeto, não editou novas medidas que neutralizassem o efeito do projeto sancionado.
Segundo a nota do Palácio do Planalto, o TCU entende que, por ser uma prorrogação de um benefício fiscal já existente, não é necessária uma compensação.
Além disso, foi publicada uma MP (medida provisória) mudando a forma de cálculo da desoneração nas contas da Previdência Social —as empresas beneficiadas por essa medida de estímulo ao emprego pagam menos tributos à Previdência Social.
“Com a correção na metodologia antiga, não haverá criação de nova despesa orçamentária, o que tornou possível sancionar a prorrogação da desoneração com os recursos já existentes no orçamento“, explicou a Secretaria-Geral da Presidência da República.
O projeto sancionado também prorroga até o fim de 2023 o aumento na alíquota da Cofins aplicada na importação de produtos produzidos pelos setores desonerados. O objetivo é proteger o fabricante nacional.
Em outros atos publicados pelo presidente, o governo também acabou com incentivos fiscais a empresas do setor petroquímico, com o fim do Reiq (Regime Especial da Indústria Química).
Bolsonaro também sancionou uma lei para renovar a isenção de IPI na compra de automóveis por taxistas e pessoas com deficiência.
Uma pesquisa lançada em 2018 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, sobre o período de 2012 a 2015, apontou para a ausência de efeitos da desoneração na geração de empregos.
Os especialistas consideraram diferentes cenários de empresas, de acordo com o tamanho dos quadros de funcionários, com a localização regional e com a comparação entre empresas oneradas e desoneradas.
Além de haver baixa correlação entre a desoneração e a performance do mercado de trabalho, o Ipea chama a atenção para a magnitude da renúncia fiscal concedida, ou seja, o alto valor que o Estado deixa de arrecadar para beneficiar os empresários.
Um estudo do governo, de 2020, indicou impacto previdenciário de 28,8 bilhões entre 2012 e 2015.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro também já criticou a desoneração em diferentes oportunidades. Para a instituição, ligada à Central Única dos Trabalhadores, a medida não gera novas vagas, e os empresários usam os valores economizados para aumentar os seus lucros.
O deputado Afonso Florence (PT-BA), membro titular na Comissão de Finanças e Tributação, diz que a sua expectativa é de que a oposição seja crítica à prorrogação da desoneração.
Para o parlamentar, a política nasceu “desvirtuada” na época de Dilma, porque o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, patrocinava uma expressiva ampliação de setores e percentuais da desoneração.
Em sua observação, além os empresários não terem transformado a desoneração em geração ou manutenção de empregos, a medida prejudicou a Previdência.
“Os empresários fizeram aplicações financeiras, e a medida desfinanciou a seguridade social”, declarou Florence.
O petista afirma ainda que, para mexer na arrecadação de impostos, seria necessário aplicar, também, taxações sobre lucros e dividendos de empresários. “Discutir desoneração da folha sem discutir tributação sobre as fortunas e heranças é manter privilégios.”
No PSB, que tem três integrantes na Comissão, o assunto esteve em discussão na assessoria técnica do partido, que considerou questionável a metodologia da pesquisa do Ipea, porque não seria possível atribuir exclusivamente à desoneração a responsabilidade de não gerar empregos – haveria outros elementos do cenário econômico a serem levados em conta ao analisar a estagnação nos índices.
Por outro lado, pairam dúvidas sobre os critérios na escolha dos setores beneficiados. A seleção de certas áreas pode resultar na falta de “isonomia” no mercado, e faltam estudos para atestar as opções apresentadas.
O PDT também seguiu sem posição. Para o deputado André Figueiredo (PDT-CE), faltou na era Dilma a exigência de uma contrapartida por parte dos empresários que obtiveram a desoneração, como o compromisso de manter empregos já existentes ou mesmo de comprovar aumento de contratações após o recebimento do benefício.
“A princípio, não sou contra a desoneração, principalmente em setores altamente sensíveis a crises sazonais, como telecomunicações e construção civil. Agora, tem que garantir a empregabilidade e, se possível, a geração de mais empregos”, opinou o deputado.
Na ocasião, o PSOL declarou que não discutiu o tema e preferiu não se manifestar. As assessorias de PCdoB, Rede e Cidadania não retornaram.
Efraim Filho (DEM-PB), autor da proposta de prorrogação, argumenta que o governo dispõe de áreas especializadas para fiscalizar possíveis fraudes na pretensão da desoneração da folha.
O deputado declarou ainda que, dos 56 setores anteriormente beneficiados, chegou-se à conclusão de que somente 17 eram realmente dependentes de mão de obra. Assim, diz ele, os setores que não guardavam boa relação de faturamento e empregabilidade foram retirados do rol de beneficiários.
“Caso a medida não seja aprovada, projeta-se um quadro elevado de demissões, elevação do custo do serviço/produto que será repassado ao consumidor final, diminuição das margens de lucro, redução das vendas e investimentos, perda de participação no mercado doméstico e, consequentemente, redução de exportações”, disse o parlamentar à Carta Capital, na ocasião em que foi entrevistado.