Papa Francisco: sou das ruas

última atualização em 18 de fevereiro de 2016 

pope giantPapa Francisco dá entrevista ao diário argentino La Voz del Pueblo e diz que é um homem das ruas.

O pontífice deu uma de suas entrevistas mais pessoais desde que se elegeu Papa e falou sobre seus medos e gostos, dentre outros temas da atualidade revelando detalhes desconhecidos de sua vida. Leia a transcrição veiculada pelos jornais argentinos.

O senhor sonhava em ser Papa Papa?
Nunca. Tampouco em ser presidente ou general.  Alguns meninos sonham com isso, eu jamais sonhei.

Nem durante o serviço episcopal fantasiou esta possibilidade?
Depois que estive por 15 anos em postos de confiança para os quais fui promovido, voltei a ser padre e a ouvir confissões. A vida de um religioso vai mudando segundo as necessidades. E com respeito à possibilidade, eu já estava na lista dos papáveis no conclave anterior. Mas neste último,  devido à minha idade de 76 anos e pelo fato de ter gente mais valiosa, eu jamais pensei que me nomeariam.  Além disso eles diziam que só os kingmakers (fazedores de reis – como se denominam os cardeais experientes e com autoridade) poderiam influenciar na escolha de um latino-americano. Tanto que nenhuma foto minha saiu nos jornais. Ninguém pensava em mim. Nas casas de apostas de Londres eu estava na 46ª posição (gargalhadas). Por isso, nem eu mesmo pensava em mim.

Mas em 2005 o senhor foi o segundo mais votado depois de Bento XVI
É o que dizem. O certo é que, ao menos, na outra eleição eu estava nos jornais; eu era um papável. No Vaticano estava claro que teria que ser ele por quase unanimidade e gostei muito da escolha. Era evidente que ele seria eleito porque era favorito. Mas em minha candidatura ninguém se destacava. Muitos tinham possibilidades mas nenhum era forte. Por isso fui à Roma com minha passagem de volta para sábado à noite e desejava estar em Buenos Aires no Domingo de Ramos. Isso está em minha homilia que deixei sobre a mesa naquela ocasião. Jamais pensei que seria o escolhido.

E quando foi eleito, o que sentiu?
Antes da eleição definitiva, senti muita paz. “Se Deus quer assim…”, pensei. E me quedei em paz. Enquanto os votos eram feitos, eu rezava o rosário tranquilo. Tinha, ao meu lado, meu amigo Cardeal Claudio Hummes, que em um voto anterior ao definitivo me disse: “Não se preocupe, é assim que opera o Espírito Santo…” ( volta a gargalhar).

E assumiu em seguida?
Me levaram para a Sacristia, me trocaram a batina e todo o vestuário. E eu disse o que me veio.

Então foi algo natural.
Sim, eu senti muita paz e disse o que me veio do coração.

Reconhece o magnetismo que gera nas pessoas?
E, sim… , sei que as pessoas… (dúvida e silêncio) Primeiro eu não entendia por que ocorria isso. Alguns cardeais me contam que as pessoas dizem que me entendem. Eu tento ser transparente nas audiências, nas coisas que falo, como hoje contei uma anedota de quando estava na quarta série. Então as pessoas entendem minha fala. Como quando falei que alguns pais separados usam seus filhos como reféns, algo muito triste, se vitimizam, o pai fala mal da mãe e vice versa, e a pobre criança se confunde com tudo o que se passa. Eu trato se ser objetivo e é isso que chama de magnetismo.

O Senhor gosta das audiências públicas?
Sim, eu desfruto delas no sentido humano e espiritual, as duas coisas. As pessoas me fazem bem;  me dão uma “onda” como se diz. É como se minha vida fosse se fechando nas pessoas. Eu psicologicamente, não vivo sem as pessoas. Não sirvo para ser monge. Por isso eu quis viver em La Domus Sanctae Marthae – uma casa de hóspedes para vários clérigos que têm negócios com a Santa Sé, e hotel residência dos membros do Colégio de Cardeais. São 210 cômodos e vivemos em 40 pessoas. E isso me faz tão bem. Vir aqui, comer junto com todas as pessoas. Estar em todas as missas da semana junto com os forasteiros de paróquias. Gosto muito e dou graças a Deus por tudo isso.

O que sente falta da sua vida anterior ao papado?
Sair às ruas. A tranquilidade de caminhar. Ir à pizzaria e comer uma boa pizza (risada).

Pode pedir uma dellivery no Vaticano?
Sim, mas não é a mesma coisa. A questão é ir até a pizza. Eu sempre fui da rua. Quando cardeal, me encantava caminhar pelas ruas, andar de ônibus, metrô. A cidade me encanta, sou cidadão urbano de alma. Eu não sei viver no campo.

Aqui, recorre à cidade?
Não, (outra vez ri com vontade). Vou às paróquias… mas não posso sair.  Imagine se eu saio pelas ruas. Um dia saí de carro apenas com o motorista e me esqueci de fechar a janela, não me dei conta que estava aberta. Uma confusão se armou. As pessoas não deixavam o carro seguir. Mas eu sou das ruas.

Isso tem a ver com seu jeito de ser
É verdade que tenho sido chamado de indisciplinado. Não sigo muitos protocolos. É muito insensível, ainda que haja a oficialidade.

O senhor consegue descansar à noite? Se desconectar?
Eu tenho um sono tão profundo que deito na cama e desmaio. Durmo seis horas. Às 21:00h já estou na cama e leio até quase 22:00h, quando meus olhos começam a lacrimejar. Apago a luz e durmo até às 04:00h em um despertar biológico, natural. Por isso preciso de cochilos. Tenho que dormir de 40min. a 1hora, quando tiro os sapatos e me jogo na cama. Durmo profundamente e também acordo sozinho; naturalmente. Sempre que não durmo bem necessito destas cochiladas.

O que o senhor lê antes de dormir?
Agora estou lendo sobre São Silvano de Monte Athos, um grande mestre espiritual.

Na visita que realizou à Manila no verão falou da importância de chorar. O senhor chora?
Quando vejo dramas humanos, como outro dia ao ver o que ocorre com os povos rohingya, que andam em cima dessas embarcações em águas tailandesas e quando se aproximam da terra lhes dão um pouco de comida e água, após o que os lançam novamente ao mar. Isso me comove profundamente. Depois, as crianças doentes. Quando vejo que aqui chamam de enfermidades raras, que são produzidas por descuido do ambiente, eu fico muito agitado. Quando eu vejo estas criaturas eu digo ao Senhor: “Por quê eles e não eu?” Quando vou aos cárceres também fico comovido. Fui a alguns cárceres de cidades italianas e fiz a refeição junto com os detentos. E durante uma conversa com um deles, me veio à mente: “… e pensar que eu poderia estar aqui…” ou seja, nenhum de nós está seguro de que nunca vai cometer um crime a tal ponto de ser preso. Então me pergunto: por quê Deus me permitiu que eu não estivesse aqui?  E sinto a dor deles e agradeço a Deus por não estar aqui. Porém sinto que às vezes esse agradecimento é de conveniência também, porque eles não tiveram a oportunidade que tive de jamais fazer algo digno de ser preso. Isso me leva ao choro interior. Isso me faz sentir muito.

Mas chega a chorar com lágrimas?
Publicamente , não choro. Por duas vezes estive no limite, mas pude me conter a tempo. Eu estava muito comovido, inclusive algumas lágrimas me escaparam, mas não chorei. Fiquei mudo e depois de algum tempo passei a mão no rosto.

Por quê não quis que o vissem chorando?
Não sei, achei que teria que seguir adiante.

Quais foram estas situações?
Lembro de uma, a outra não. A que me lembro teve a ver com a perseguição dos cristãos no Iraque. Estava falando disso e me comovi profundamente. Pensar nas crianças…

Do que o senhor tem medo?
Em geral não sinto medo. Sou mais ousado, não meço consequências. Isso que eu disse costuma me dar dores de cabeça porque às vezes falo demais (risada intensa).  E quanto aos atentados, estou nas mãos de Deus. Nas minhas orações eu falei com o Senhor e lhE disse: “Olha, se isso tiver que acontecer, peço um favor: não me machuque…” (risos) “…porque eu sou um covarde à dor física. A dor moral eu ainda suporto, mas a dor física, não. Não é que eu tenha medo de injeção, mas prefiro não ter problemas com a dor física. Sou muito intolerante a isso que, presumo que isso se deve a uma cirurgia pulmonar que fiz aos dezenove anos de idade.

O senhor sente pressão?
As pressões existem. Todo governante sente pressões. Neste momento, o que mais sinto é a intensidade do trabalho no Vaticano. Um ritmo de trabalho muito intenso, a síndrome do fim do ano escolar, que aqui termina no fim de junho. E então se juntam mil coisas e problemas. E depois estão os problemas que te armam com o que disse ou não disse. Os meios de comunicação também tomam-lhe uma palavra e a descontextualizam. Noutro dia, na paróquia de Ostia, perto de Roma, estava saudando as pessoas e haviam colocado os velhos e enfermos no ginásio. Estavam sentados e eu passava os saudando. Então eu disse: “Olhem que divertido, aqui onde jogavam as crianças estão os velhos e doentes. Eu os compreendo porque também sou velho e também tenho meus ataques, sou um pouco”. No outro dia saiu nos jornais: “O Papa confessou que está doente”. Contra esse inimigo não podemos.

¿Y está encima de todo lo que se publica?

Não, não. Jornal, leio somente um: La Repubblica, que é um jornal para setores médios. Eu faço pela manhã e não leva mais de 10 minutos folheá-lo. Televisão, não assisto deste 1990. (toma um tempo para continuar) É uma promessa que fiz à Virgem de Carmen na noite de 15 de julho de 1990.

Por um motivo particular?
Não, não, eu disse que isso “não é para mim”.

Não vê as partidas do San Lorenzo? (Club Atlético San Lorenzo de Almagro – Um dos cinco grandes da Argentina)
Não, não vejo nada.

Como fica sabendo dos resultados?
Tem um guarda suiço que todas as semanas me deixa os resultados reais da tabela.

O senhor, em meio aos Papas, seria um Messi ou um Mascherano?
Não saberia te dizer porque não sei distinguir o estilo deles, porque não assisto futebol. Messi, o vi duas vezes aqui e nunca mais.

O senhor usa a Internet?
Nada. E jamais concedo entrevistas. Se o faço é porque estou em estado de graça. Normalmente, antes de enfrentar um jornalista, costumo entrar em pânico.

Como a Argentina é vista no Vaticano?
Como um país de muitas possibilidades e de tantas oportunidades perdidas. Como dizia o cardeal Quarracino. E é verdade. A Argentina é um país que perdeu tantas oportunidades ao longo da história… Alguma coisa acontece, com toda a riqueza que temos

O senhor acompanha a evolução política da Argentina?
No, para nada. Eu cortei, aqui, a recepção de políticos poque me dei conta de que alguns usavam isso e minha foto, ainda que seja certo que algum outro não disse se havia estado comigo ou se tinha a foto. Mas para evitar isso, os recebo em audiência privada. Se vêm e vão às audiências gerais, os saúdo.  Mas não sei como vão as eleições nem quem são os candidatos. Imagino quais devem ser os principais.

Gosta quando o rotulam de Papa pobre?
Se acrescentam mais uma palavra ao final, sim. “Papa pobre coitado”, por exemplo (risada forte). A pobreza é o centro do Evangelho. Jesus pregou aos pobres. Se a pobreza for tirada do Evangelho, não se pode entender nada.

Não é utopia pensar em acabar com a pobreza?
Sim, porém as utopias nos arremessam para a frente. Seria triste que os jovens não a tivessem. Há três coisas que temos que ter na vida: memória do passado, capacidade de avaliar o presente e utopia para o futuro. Não devemos perder a memória. Quando as pessoas perdem suas memórias há um outro grande drama de abandono de idosos. Capacidae hermenêutica frente ao presente, interpretá-lo e saber por onde ir com essa memória, com essas raízes do passado, como usar no presente. E aí está a vida de jovens e adultos. E o futuro? Há os jovens e, especialmente as crianças. O futuro de um povo se manifesta no cuidado com os idosos que são sua memória. As crianças e jovens levarão isso adiante. Os adultos têm de receber esse relatório, trabalhar no futuro e dar aos filhos. Certa vez li algo muito bonito: “O presente, o mundo que temos recebido, no é somente uma herança dos mais velhos, mas também um empréstimo que nos fazem nossos filhos para que o devolvamos melhor”. Se eu cortar minhas raízes, vai acontecer comigo o que acontece com todas as plantas: eu vou morrer. E se eu viver o presente sem uma previsão do futuro serei como um mau gestor sem um projeto. A poluição ambiental de hoje é um fenômeno deste estilo. Todos os três juntos têm que sintonizar. Quando falta algum, um povo começa a decair.

Quais são os piores males do mundo de hoje?
Pobreza, corrupção, tráfico de seres humanos. Eu posso me enganar nas estatísticas, mas qual item vem depois dos gastos com comida, roupas e remédios? A minha resposta nesta ordem: cosméticos e animais de estimação. Isso é grave. Poder programar a resposta amorosa de um cão se sobrepõe às relações de afeto recíprocas entre seres humanos.

Por quê sempre repete “ore por mim”?
Porque necessito que a oração do povo me sustente. É uma necessidade interior.

Como gostaria que se lembrassem do senhor?
Um bom tipo. Que digam: “Este era um bom tipo que tratou de fazer o bem”. Não tenho outra pretensão.

Que recordações tens do futebol e do San Lorenzo em sua infância?
Lembro-me como se fosse hoje a campanha de 1946. Íamos ao Gasômetro (primeiro estádio do San Lorenzo) todos os domingos. Em família, com minha mãe também.  Depois da partida saíamos e comprávamos caracóis em salsa (uma iguaria da cozinha catalã), algumas pizzas e voltávamos para casa. Era uma festa familiar.

Gostaria que Marcelo Tinelli, vice de San Lorenzo, fosse o presidente da AFA?
Eu o vi duas vezes. Uma, sem saber que era ele, o saudei no amistoso Argentina-Italia, e depois me disseram: “Esse é Marcelo Tinellii”. E a segunda vez que o vi foi quando me trouxe a Copa (Libertadores).

Qual sua opinião sobre o que aconteceu no Boca-River?
Foi uma pena. São selvajerias transbordantes da paixão com arrogância e incapacidade de viver em sociedade. Eu vivi no tempo do futebol amador na campanha de 46. Eu tinha 9 anos. A pior coisa que se dizia a um árbitro naquele tempo era que ele tinha se vendido. Não havia tanto insulto quanto agora. Um jogador que não se saísse bem, diziam que estava dormindo. Só isso. A atmosfera do público mudou para lamentável.

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