Lula e o ministro da Defesa, José Múcio, em visita à Marinha, em Brasília | Ricardo Stuckert/PR
O Exército não divulgará mensagem relembrando o que Bolsonaro chama de “revolução“. Lula sequer lembrará a data do golpe de 64. Com o Presidente, uma nova Comissão de Anistia revê pedidos de vítimas da ditadura que seu antecessor negou
“O golpe militar executado em 31 de março de 1964 por militares do Exército Brasileiro completa 59 anos. Diferentemente da gestão de Jair Bolsonaro (PL), simpatizante da ditadura” e que chama o movimento de “revolução”, “o governo federal de Lula (PT) não irá celebrar a data. Nem o Exército divulgará mensagem relembrando o período em que militares fecharam o Congresso, censuraram a imprensa e prenderam, mataram e torturaram opositores“, diz texto no UOL.
Com Bolsonaro, a mensagem de aniversário do golpe foi retomada já no seu primeiro ano de governo, em 2019. Nos quatro anos de seu mandato, foi celebrado o dia 31 de março e exaltado o golpe. Tropas organizadas pelo Ministério da Defesa leram a “ordem do dia” que chamava a ditadura de “marco histórico“. Os militares defenderam a falsa justificativa de que salvaram o Brasil do então presidente deposto, João Goulart, que instalaria um regime comunista no país.
Mas com Lula as coisas dão uma guinada radical. Neste ano, vai ser diferente. O comandante do Exército, general Tomás Paiva, decidiu que não haverá a leitura da ordem do dia. A decisão de não divulgar uma mensagem pela data, segundo fontes da caserna, se deve a uma interpretação do comandante de que “o normal era não existir“.
Além disso, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, comandado pelo filósofo e advogado Silvio Almeida, instalou uma nova Comissão de Anistia, que começou os trabalhos ontem, quinta-feira (30/3). O grupo irá rever todos os pedidos de anistia de vítimas da ditadura militar que foram negados pelo governo Bolsonaro.
Entre os pedidos de revisão, está o da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que foi torturada por militares. Não coincidentemente, o ex-capitão, quando deputado, votou pelo impeachment da ex-presidente, na Câmara dos Deputados, usando discurso que citou “a memória de Carlos Brilhante Ustra“, um dos maiores torturadores da ditadura, e acrescentou que ele foi “o pavor de Dilma Rousseff“.
De 2019 a 2022, segundo o governo Lula, 95% dos pedidos de reparação analisados pela Comissão de Anistia foram negados. Durante a abertura dos trabalhos, Silvio Almeida fez um discurso sobre o impacto da ditadura na manutenção das desigualdades no país.
“Não nos esquecemos que as violações dos direitos não dizem respeito apenas aos direitos civis e políticos, mas interromperam um processo de redução de desigualdade. Quantos brasileiros poderiam ter sidos salvos do abandono se não fosse a ditadura com política excludente. Desigualdade, violência de estado, racismo, machismo, transfobia, são indissociáveis com a forma que o Brasil foi construído. Essa história precisa ser recontada, para que não se repita. Por isso bradamos ao lado dos movimentos, ditadura nunca mais, nunca mais”, disse o ministro, conforme transcrito no g1.
Com novo regimento, a comissão prevê a possibilidade de recursos e anistia também para coletivos. Além disso, as sessões, que até então eram fechadas, passam a ser abertas e com transmissão pela internet. Ainda pela primeira vez, a comissão tem entre os integrantes pessoas negras e indígenas. Outra inovação é que o representante do Ministério da Defesa não é militar.
A possibilidade de julgamento coletivo permite anistia para movimentos sociais, povos quilombolas, indígenas, coletivos LGBTQIA+ e outros grupos, mas não prevê reparação econômica. A comissão, no entanto, pode determinar a tomada de providências por outros órgãos.
Os novos integrantes da colegiados foram nomeados em janeiro e fevereiro e, desde então, trabalham na elaboração do regimento e análise de casos. A atividade dos participantes da comissão não é remunerada. Outra atividade da comissão é assessorar o ministro Silvio Almeida em decisões. Segundo o ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, as novidades no colegiado representam o “simbolismo da mudança de paradigma“.
Já a presidente da comissão, a professora da Universidade de Brasília (UnB) Eneá Almeida, afirma que a reanálise de casos negados anteriormente permitirá avançar em defesa da democracia. “Nos casos dos julgamentos, houve revitimização dos requerentes. Eles foram, de novo e sistematicamente, culpados pela perseguição sofrida“, disse.
A comissão de Anistia foi criada em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com o objetivo de oferecer reparação a vítimas ou familiares de vítimas de perseguição durante a ditadura militar (1964-1985).
O grupo é composto por 14 indicados pelo governo. Os nomes dos escolhidos pela gestão Lula foram publicados em janeiro deste ano. Para isso, foram revogados indicados pelo governo Bolsonaro.
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o objetivo era “reverter a interferência política propagada desde 2019 no sentido de paralisar os trabalhos do grupo por meio da omissão do Estado brasileiro“.