Há 59 anos: ‘Marcha com Deus pela Família e pela Liberdade’ preparou terreno para a ditadura militar

Sob o slogan semelhante, “Deus, Pátria, Família e Liberdade“, Bolsonaro defendeu torturador, militarizou o governo e quis atribuir o rótulo “revolução” ao que a própria história chama de “golpe de 64”

“A Marcha com Deus pela Família e pela Liberdade, ocorrida em 19 de março de 1964, foi uma grande manifestação política e religiosa ocorrida no Brasil em 1964, que teve como objetivo mobilizar a população brasileira em apoio ao golpe militar que ocorreu naquele ano”, escreve a redação do portal progressista de notícias Brasil247.

A marcha foi convocada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outras organizações religiosas, contando com a participação de milhares de pessoas em diversas cidades do país“, prossegue o texto.

Os participantes da marcha defendiam a ideia de que a intervenção militar era necessária para proteger a democracia e a liberdade contra a ameaça comunista, que supostamente representava uma ameaça ao Brasil“, argumentam os redatores.

No entanto, a marcha é amplamente criticada por ter apoiado o golpe militar e pela falta de respeito aos direitos humanos durante o regime militar que se seguiu“, observa o texto.

A marcha também é vista como um exemplo da influência política que as instituições religiosas tinham no Brasil na época e como elas se envolveram ativamente na política do país“, pontuam os redatores da matéria no portal.

“Deus, pátria e família”

Ao longo do século XX, as palavras-chave “Deus, pátria” e família“, que funcionam como uma espécie de “gatilho” reacionário comportamental, se firmaram em um lema para refletir os valores tradicionais de determinados movimentos políticos e sociais conservadores associados à Igreja Católica.

Mas o lema jamais foi respaldado pelo magistério oficial da Igreja. Em 2011,  o então papa Bento XVI lembrou que o ideal de “uma só família humana” aparece acima do conceito de patriotismo, como dizia a mensagem de São João Paulo II, o papa que virou santo em 2014, pelo Dia Mundial dos Migrantes.

Tanto para São João Paulo I quanto para Bento XVI, o bem comum universal “abrange toda a família dos povos, acima de todo o egoísmo nacionalista“.

Durante a ditadura em Portugal, a partir da década de 1920, o país viveu sob um regime político autoritário, autocrata e corporativista que vigorou por mais de 4 décadas, enquanto “Deus, pátria e família” definia o ideário desse chamado Estado Novo.

No Brasil, uma sessão doutrinária pela Ação Integralista na década de 1930, sob a mensagem “Deus, pátria e família“, reunia as propostas do movimento conhecido como “fascismo brasileiro“, sendo “Deus” o direcionador dos povos, “pátria“, o “lar” comum para o alcance de um Estado “integral” e “família” representando o “início e fim de tudo“, além da garantia para se manter a tradição daquela doutrina.

Sob o slogan semelhante, “Deus, Pátria, Família e Liberdade“, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) defendia, conforme registros em diversos vídeos nas redes sociais, o torturador Carlos Brilhante Ustra, da ditadura iniciada no período de 31 de março até 1 de abril de 1964 e que durou até 15 de março de 1985, sob comando de sucessivos governos militares.

Bolsonaro tinha por hábito comemorar o que ele chamava de “revolução” e que na verdade foi um dos períodos mais tenebrosos que o Brasil viveu em sua história, referindo-se, diversas vezes, ao aniversário do golpe militar de 1964 como “dia da liberdade“.

Um relatório decisivo da Comissão Nacional da Verdade, apresentado em 2014, durante o governo de Dilma Rousseff, afirmou que 423 pessoas foram mortas ou desapareceram no período de 1964 a 1985. Os crimes foram resultado de uma política de Estado, com diretrizes definidas pelos presidentes militares e seus ministros.

Conforme o Brasil de Fato escreveu, “ao declarar o seu voto no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, [em 2016] o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) fez uma homenagem à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra chamando-o de “o pavor de Dilma Rousseff”, por ter comandado as sessões de tortura contra a ex-presidenta, que foi presa durante a ditadura militar“.

A fala não foi de improviso“, diz o BDF. “Bolsonaro leu o nome do militar em um pedaço de papel amarrotado. Foi um ato sádico, planejado, covarde e cruel, assim como eram as sessões de torturas em centenas de pessoas que aconteceram em São Paulo, no Destacamento de Operações de InformaçãoCentro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), sob o comando do coronel Ustra na ditadura militar, período em que foram contabilizadas 434 mortes  e desaparecimentos no país, segundo a Comissão Nacional da Verdade“, escreveu o jornalista Juca Guimarães, do Brasil de Fato, em 17 de Outubro de 2018, antes da eleição decisiva que levaria Bolsonaro à presidência do Brasil.

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