‘Fast vaccine’ russa contra covid-19 garante imunização, mas carece de grandes ensaios

‘Sputnik’ em tempo recorde causa indignação de cientistas que temem perigos a longo prazo

Charge / Imagem da Sputnik

A ‘fast vaccine’ russa ‘Sputnik’ contra covid-19, anunciada nesta terça-feira (11) pelo presidente Vladimir Putin, tem imunização comprovada, mas cientistas afirmam indignados que a droga pode ser perigosa porque ainda carece de grandes ensaios. O nome ‘Sputnik’ homenageia a terceira missão de teste do Programa Vostok da União Soviética, tendo sido a primeira a colocar animais em órbita e trazê-los de volta a salvo.

O país se tornou o primeiro a aprovar uma vacina contra o coronavírus para uso generalizado, mas especialistas internacionais condenaram a decisão classificando-a como perigosa e precipitada. 

A Rússia não concluiu grandes ensaios para testar sua segurança e eficácia, e o lançamento de uma vacina inadequadamente controlada pode colocar em risco as pessoas que a recebem, dizem os pesquisadores de acordo com publicação na revista científica “Nature“.

Segundo a classe, o anúncio também pode impedir os esforços globais para o desenvolvimento de outras imunizações qualitativas contra a covid-19. Peter Hotez, cientista pesquisador de vacinas do Baylor College of Medicine em Houston, Texas diz que se os russos estiverem errados, tudo pode ser prejudicado:

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“O fato de os russos estarem pulando tais medidas e etapas é o que preocupa nossa comunidade de cientistas de vacinas. Se eles errarem, isso pode prejudicar todo o empreendimento global”.


Peter Hotez
Pesquisador de vacinas do Baylor College of Medicine

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O professor geneticista François Balloux, da University College London, disse em um comunicado, distribuído pelo Science Media Centre do Reino Unido, que a decisão de Putin foi antiética e imprudente:

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“Esta é uma decisão imprudente e tola. A vacinação em massa com uma vacina testada incorretamente é antiética. Qualquer problema com a campanha de vacinação russa seria desastroso tanto por seus efeitos negativos na saúde, mas também porque iria atrasar ainda mais a aceitação de vacinas pela população”.


François Balloux
Geneticista da University College London

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De fato, Putin disse que o regulador russo aprovou uma vacina contra a covid-19 desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, em Moscou, embora os testes de 3ª fase ainda não tenham sido concluídos. 

Esses testes envolvem administrar uma vacina ou uma injeção de placebo a milhares de pessoas e realizar o massivo acompanhamento para ver se a vacina previne doenças, além de permitir a confirmação da segurança da vacina bem como relacionar possíveis efeitos colaterais raros que porventura não tenham sido observados em estudos menores nos estágios iniciais. 

O ministro da saúde russo, Mikhail Murashko, disse que a vacina seria introduzida gradualmente aos cidadãos e administrada preferencialmente, na fase inicial, aos profissionais de saúde e professores.

Mais de 200 vacinas contra a covid-19 estão em desenvolvimento em todo o mundo e várias já estão em testes na 3ª fase, com mais pioneiros programados para iniciar seus testes em breve. Contudo, os cientistas crêem que, dessas vacinas, a primeira só seria aprovada daqui a muitos meses.

A vacina desenvolvida no Instituto de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, em Moscou, foi administrada a 76 voluntários como parte de dois estudos em estágio inicial listados no Clinical Trials, um banco de dados de estudos clínicos privados e públicos conduzidos em todo o mundo, mas nenhum resultado desses estudos ou outros estudos pré-clínicos foi publicado e pouco mais se sabe sobre a vacina experimental.

De acordo com a listagem do ClinicalTrials, a vacina, que é administrada em duas doses, é composta por dois adenovírus que expressam a proteína spike do coronavírus. A primeira dose é um vírus Ad26 – a mesma cepa usada em uma vacina experimental em desenvolvimento pela farmacêutica Johnson & Johnson e sua subsidiária Janssen – enquanto a segunda dose de ‘reforço’ é feita de um vírus Ad5, como o de um experimental já sendo desenvolvido no CanSino Biologics na China.

De acordo com o certificado de registro em russo da vacina, todos os 38 participantes que receberam uma ou duas doses da vacina produziram anticorpos contra a proteína spike do SARS-CoV-2, incluindo anticorpos neutralizantes potentes que inativam as partículas virais. Esses achados são semelhantes aos resultados de estudos em estágio inicial de outras vacinas candidatas. Os efeitos colaterais também foram semelhantes, como febre, dor de cabeça e irritação da pele no local da injeção.

Hotez espera que a vacina Gamaleya provoque uma resposta imunológica decente contra o SARS-CoV-2:

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“A proeza técnica de desenvolver uma vacina COVID19 não é muito complicada. A parte difícil é produzir essas vacinas sob controle e garantia de qualidade e então garantir que sejam seguras e realmente funcionem para proteção em grandes ensaios clínicos de fase 3.”


Peter Hotez
Pesquisador de vacinas do Baylor College of Medicine

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Mas pouco se sabe sobre os planos de testes de fase 3 para a vacina de Gamaleya. Danny Altmann, imunologista do Imperial College London, espera que o estudo acompanhe de perto as respostas imunológicas dos participantes com busca efetiva de quaisquer efeitos colaterais, mas se diz decepcionado com a falta de informações:

“Simplesmente não consegui encontrar nenhum detalhe publicado de um protocolo”


Danny Altmann
Imunologista do Imperial College London

Altmann teme que a vacina possa causar uma doença exacerbada que ocorre quando os anticorpos gerados pela droga transportam o vírus para as células, após a exposição ao vírus. Outro problema poderia ser uma reação imune semelhante à asma que se tornou um problema com algumas vacinas experimentais contra o vírus SARS.. A detecção dessas reações exigiria a comparação de milhares de pessoas que receberam uma vacina ou placebo e potencialmente ficaram expostas ao SARS-CoV-2.

Svetlana Zavidova, chefe da Associação de Organizações de Ensaios Clínicos da Rússia, que trabalha com empresas farmacêuticas internacionais e organizações de pesquisa, diz que sem um estudo de fase 3 concluído não ficará claro se a vacina previne contra a covid-19 ou se causa quaisquer efeitos colaterais prejudiciais, por causa das lacunas em como a Rússia monitora os efeitos dos medicamentos. Zavidova também teme que a aprovação da vacina seja “muito prejudicial” para os esforços de realização de testes clínicos de outras vacinas COVID-19 e outros medicamentos na Rússia:

“É ridículo obter autorização para esses dados. Nosso sistema de monitoramento de segurança, eu acho, não é o melhor”


Svetlana Zavidova
Chefe da Associação de Organizações de Ensaios Clínicos da Rússia

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Florian Krammer, virologista da Icahn School of Medicine no Mount Sinai, em Nova York, disse em um tuíte: “Não tenho certeza o que a Rússia está tramando, mas certamente não tomaria uma vacina que não tenha sido testada na Fase 3. Ninguém sabe se é seguro ou se funciona. Eles estão colocando os profissionais de saúde e sua população em risco”:

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O chefe de um fundo de investimento apoiado pelo governo russo disse que a vacina passaria por testes de fase 3 nos Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e outros países, de acordo com a agência estatal de notícias TASS Russian News. O responsável disse que já foram recebidos pedidos de compra de 1 bilhão de doses por 20 países da América Latina, Médio Oriente, Ásia e outros locais, e que existe uma produção para 500 milhões de doses, com mais capacidade em curso.

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