Democracia no Brasil atravessa processo desconstituinte, diz Fachin

Sete sintomas de corrupção da democracia, elencados pelo ministro, incluem desde a militarização do governo civil e intimidações de fechamento dos demais Poderes até declarações acintosas de depreciação do valor do voto e palavras e ações que atentam contra a liberdade de imprensa, escreve a Folha, reproduzindo os atentados do Planalto contra o Estado Democrático, apontados

“Tenho nos dias atuais uma preocupação agravada com a corrupção da democracia, ou seja, com o conjunto das circunstâncias que mostram que Brasil está vivendo processo desconstituinte”, disse o ministro à Folha de S. Paulo elencando sete sintomas que vão desde a militarização do governo civil e intimidações de fechamento dos demais Poderes até declarações acintosas de depreciação do valor do voto e palavras e ações que atentam contra a liberdade de imprensa. Fachin também apontou o incentivo às armas, e por consequência a violência, assim como a naturalização da corrupção de agentes administrativos e a recusa antecipada de resultado eleitoral adverso como sinais de um processo de corrosão da democracia. Leia abaixo:

  1. REMILITARIZAÇÃO DO GOVERNO CIVIL Capitão reformado do Exército, Jair Bolsonaro teve o apoio das Forças Armadas desde a campanha. Escolheu como vice o general Hamilton Mourão e, até julho de 2020, tinha aumentado em 33% a presença de militares da ativa no governo, com mais de 2.500 integrantes em cargos comissionados em 18 órgãos. Com a nomeação para a Petrobras, mais de um terço das estatais federais controladas pela União terão comando militar. “O presidente é sustentado por uma junta militar informal, que coonesta todas as suas decisões”, disse Paulo Sérgio Pinheiro, cientista político, membro da Comissão Arns. “Não existe democracia que mereça esse nome que tenha essa quantidade de militares no aparato do Estado brasileiro”, afirmou Jorge Zaverucha, professor de ciência política da UFPE.
  2. INTIMIDAÇÕES DE FECHAMENTO DOS DEMAIS PODERES Em 2020, Bolsonaro participou de manifestações de cunho golpista, com bandeiras a favor do fechamento do Congresso e do Supremo e pela intervenção militar. O presidente também se insurgiu contra decisões do STF contra aliados. Em uma dessas ocasiões, disse “Acabou, porra”. Também ameaçou descumprir eventual decisão da corte de apreensão de seu telefone celular. Seu filho Eduardo chegou a dizer durante a campanha eleitoral que bastariam “um cabo e um soldado” para fechar a corte. Entre seus aliados, o caso mais recente de intimidação ocorreu quando o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) publicou um vídeo defendendo o AI-5 e a destituição dos ministros do STF. “Quando Bolsonaro dizia que queria fuzilar o ex-presidente FHC, era chamado de bravata. Pode ser bravata porque não teve a oportunidade ainda”, afirmou
    Elena Landau, economista, ex-diretora de Desestatização do BNDES. “Precisamos urgentemente retomar a nossa democracia. Aquilo que nós construímos após os anos da ditadura militar. Não acordamos um dia de manhã e ganhamos democracia”, disse Ieda Leal, coordenadora-nacional do Movimento Negro Unificado.
  3. DEPRECIAÇÃO DO VALOR DO VOTO Desde a campanha, Bolsonaro faz ataques ao sistema eleitoral e à urna eletrônica, defendendo o voto impresso, com emissão de comprovantes para os eleitores —a impressão do comprovante já chegou a ser declarada inconstitucional pelo STF por violar o sigilo do voto. Já como presidente, disse que o pleito de 2018 foi fraudado e que ele teria vencido no primeiro turno, porém nunca apresentou qualquer prova disso. “O nível da ameaça vai depender do tamanho do desgaste que Bolsonaro conseguir impingir sobre o voto. Atacar o voto é algo muito sério”, afirmou Heloísa Starling, historiadora e professora da UFMG. “Essa discussão está mal colocada. Bolsonaro não quer o voto impresso. Ele quer o voto impresso para ser auditado. Acho isso bastante razoável”, disse Jorge Zaverucha, professor de ciência política da UFPE.
  4. ATAQUES CONTRA A LIBERDADE DE IMPRENSA O presidente, junto de seus filhos e ministros, fizeram mais 500 atos de hostilidade à imprensa em 2020. Além de atacar diretamente jornalistas, Bolsonaro já defendeu o fechamento de veículos, dentre eles a Folha e a Rede Globo, além de editar medidas para prejudicar a receita das empresas. Em uma delas, ao excluir a Folha de uma licitação de assinaturas do governo federal, disse que os anunciantes do jornal deveriam “prestar atenção”. “É um ataque muito sério, especialmente violento com relação a jornalistas mulheres. É um ataque permanente ao dissenso, a perseguição a quem pensa diferente”, afirmou Juana Kweitel, diretora-executiva da Conectas. “Os ataques são dos dois lados. Bolsonaro nunca desejou a morte de nenhum jornalista. À medida que o jornal dá espaço para a briga, ele não está isento disso”, disse Josias Teófilo, cineasta.
  5. ​INCENTIVO ÀS ARMAS E POR CONSEQUÊNCIA À VIOLÊNCIA Ao longo de pouco mais de dois anos de governo, Bolsonaro publicou uma série de decretos para ampliar o porte e posse de armas de fogo no país. Parte deles foi barrada pelo Congresso em 2019 e alguns foram questionados judicialmente. Uma nova leva de decretos em 2021 é criticada por dificultar a fiscalização e rastreamento de munição. Em 2020, mais de 180 mil novas armas foram registradas na Polícia Federal. Em dezembro, o ministro Edson Fachin do STF suspendeu a decisão do governo que zerou a alíquota para importação de revólveres e pistolas. “Não precisa nem falar. É o risco mais sério, eu colocaria como o primeiro”, disse Juana Kweitel, diretora-executiva da Conectas. “Há um pouco de exagero nisso. Os EUA são um país totalmente armado e a democracia funciona bem”, afirmou Xico Graziano, ex-deputado federal (PSDB-SP).
  6. NATURALIZAÇÃO DA CORRUPÇÃO DE AGENTES ADMINISTRATIVOS Eleito sob a bandeira do combate à corrupção, na prática, Bolsonaro age no sentido contrário para defender familiares e aliados. Nomeado ministro da Justiça, o ex-juiz Sergio Moro deixou o governo acusando o presidente de tentar interferir na Polícia Federal. Outra crítica foi a escolha de Augusto Aras como procurador-geral da República, um nome de fora da lista tríplice para o posto. Bolsonaro chegou a dizer que acabou com a Lava Jato “porque não tem mais corrupção no governo”. “Essa é a grande ameaça, a impunidade, a aceitação da corrupção”, disse Xico Graziano, ex-deputado federal (PSDB-SP). “Temos de estancar a corrupção, mas jogando de forma correta. Não é para servir a um governo, é para servir a nação, sem ficarmos reféns do gosto individual das pessoas”, afirmou Ieda Leal, coordenadora-nacional do Movimento Negro Unificado.
  7. RECUSA ANTECIPADA DE RESULTADO ELEITORAL ADVERSO Em 2020, Bolsonaro chegou a ameaçar que, se não houver voto impresso em 2022, ou uma maneira de auditar o voto, pode acontecer no país “algo pior do que nos EUA”. A fala foi feita no dia seguinte à invasão do Capitólio, quando extremistas inflamados por Donald Trump interromperam a sessão de certificação do resultado da eleição americana, que teve Joe Biden como vencedor, resultando inclusive em mortes. “Isso é mais que ameaça, é declaração de intenção. Bolsonaro deixou claro, após a invasão do Capitólio, que aqui vai ser pior se ele perder”, disse Paulo Sérgio Pinheiro, cientista político, membro da Comissão Arns . “A negação do resultado de antemão revela um espírito que não condiz com a democracia, pois democracia prevê a alternância de poder”, afirmou Monica Sodré, diretora-executiva da Raps.
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